segunda-feira, maio 19

Mandarins

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Conversa sobre o passado, para ele longínquo, que é grande a carrada de anos. Mas à medida que vai contando descaem-se-me os queixos, custa acreditar que, chegado àquela idade não se mostre como é, não conte como de verdade foi, mas, à maneira das anciãs que desdenham do espelho e acreditam em cremes, também ele julgue iludir com a cosmética do pensamento elevado, das atitudes nobres, do alto grau intelectual da correspondência que logo na juventude trocou, certo e seguro dos píncaros a que iria subir.
Subiu.  A Pátria, honrada com tal filho, mandará esculpir estátuas e fabricar tabuletas para as ruas com o seu nome.
Mas eu, que também venho de longe, fora que o estrabismo de que devia sofrer nos olhos provavelmente me atacou o cérebro, vejo-me a interpretar a prosápia doutro modo.
Ademais, incomoda-me a boa memória que tenho, pois guardo viva a recordação das pulhices, das sacanices, traições, golpes baixos, mentiras, denúncias, perguntando-me porque a perdeu ele, ou com que lixívia se branqueia.