Começo da noite. No bar do hotel a animação e o burburinho da semana a findar, gente de várias cores, castas e idiomas. Na mesa, o colorido de dois martinis, as rodelas de laranja e limão equilibradas na borda dos copos, uma pequena, mas elegante, caixa de chocolates, presente da jovem mulher que o veio visitar.
Conversam, mal tocam na bebida, ele
dando-se conta de que está na presença de alguém incomum na sensibilidade, na
inteligência, no entusiasmo, na sinceridade. Na coragem também. No modo directo.
Por delicadeza não pergunta, mas a
diferença de idade deve ir além do meio século. Escuta fascinado e surpreso.
Interrompe o menos possível.
Pouco mais terá passado que uma hora. Os
copos continuam quase cheios. Agarra a caixa de chocolates e acompanha-a até à
saída. Cai uma chuva miudinha, pouco mais do que névoa. Despedem-se. Vê-a atravessar a rua e entrar no táxi.
Absorvido em inesperados pensamentos, volta
à mesa, bebe um gole do martini, pousa o copo, repara que continua a segurar a
pequena caixa de chocolates.
Nesse momento, recordando o que falaram descobre que ganhou uma amizade,
mas perdeu uma personagem. Tão fora do comum que seria indelicado, mesmo vergonhoso,
aproveitar aquela franqueza e um dia usá-la num romance.