- Lembra-se de mim?
- Com certeza.
Encaramo-nos. O sorriso, o silêncio, os
gestos de fingida simpatia não escondem o embaraço em que ficamos.
Involuntariamente? Não. Maldosamente
recordo uma fotografia que dele vi num jornal, em pé numa rocha, mão direita a
segurar o seu último livro de poesia, o olhar perdido num horizonte de
montanhas.
- Deve ter sido há dois anos.
- Creio que sim. O tempo passa muito
depressa.
Ó Senhor do Céu e da Terra! Quantas vezes
me digo que é melhor calar do que esconder o embaraço com banalidades tolas?
Mas não tenho emenda, e aí vou eu a
elogiar-lhe a poesia que nunca li, o outro em mim rindo de me ver à procura de
palavras condizentes à situação – telúrico, prosódia, alexandrino, estilística
– e debitá-las com a patetice que cabe nos entremezes.
Felizmente, ele não me fica atrás: vejo-me
comparado "aos Namoras, aos Aquilinos", a um para mim desconhecido
Gomes, a um A.C. Nunes que "escreve lindamente sobre a nossa região".
Acode-me uma santa, que segura uma bandeja
com copos e pergunta se quero tinto ou branco.