sexta-feira, agosto 23

Rive Gauche

(Clique)

Podia ter-me acontecido, mas tive a sorte de que em determinado momento boa fada virou a roda do leme e fui noutra direcção. Porque também eu conheci a boémia dos quartos de hotel da Rive Gauche nos anos 50, quando brevemente se viveu a ilusão de que a liberdade tinha finalmente chegado e o mundo se ia compor.
A maioria salvou-se ou fugiu, uns quantos levaram a sério a ilusão e tornaram-se folclóricos, como Albert Cossery (1913-2008) - obrigado, Ana, por mo ter lembrado - que recordo sentado no Flore, imóvel que nem esfinge,  pose de grand seigneur, excelente escritor,  mas cravando amigos e conhecidos, seis décadas a viver num quartinho de hotel que, sim, são românticos quando há pouco nos rompeu a barba.
Trocou o Cairo por Paris aos trinta e dois anos, mas apenas escreveu sobre o seu povo, bizarria que com ele partilho, como se, mesmo longe, a alguns de nós seja impossível escapar ao enlace das raízes.
Os acontecimentos no Egipto levam a agora a que muitos, como antes fizeram com Naguib Mahfouz, procurem nos livros de Albert Crossery, na literatura, explicações para a violência e o desatino dos povos. É procurar em vão.