segunda-feira, junho 3

Fred Astaire na Feira do Livro


Olhos mortiços, ar azedo, bigodinho, pele baça, o tónus dos músculos comido pela idade, o fato como que pendurado no esqueleto.
Chega e dispara: - Não venho para comprar os teus livros, nem quero autógrafo.
Respira fundo, com vagar e cuidado acomoda-se na cadeira. Endireita o vinco das calças.
- Venho só pra te dizer que fomos colegas no quarto ano, no liceu de Viana. Lembras-te?
- Não.
Desfia nomes. Sicrano, Beltrano, o Estica, o Rodinhas.
- O único que recordo é o Agostinho. Encontrei-o há-de haver...
- Morreu – corta ele, seco. - Mas, palavra? Não te lembras de mim?  Eu fazia sapateado, imitava o Fred Astaire. A gente dizia o Fred às Tiras, hein?  Tenho a certeza que disto...
A cena durou. Por fim decidiu levantar-se, anunciou que me achava estranho, acrescentando:
- Em todo o caso a minha memória é melhor do que a tua. E estás careca. Eu tenho o cabelo todo!
O cabelo todo: uma dúzia de farripas coladas no crâneo, de um colorido artificial, a lembrar o da cenoura. Mas excelente memória.