Desci esta madrugada a um inferno de
recordações e, quando escapei dele, ocorreu-me como seria bom que houvesse para
a alma o equivalente do hammam, o
banho turco, onde com lavagens e massagens se renova a pele, abrem os poros e
tonifica a musculatura.
Seria bom, mas não há. Nem sei de maneira
que, nessas ocasiões, trave o diabinho cuja função é destapar a panela onde
fervem as lembranças que nos afligem. E quanto mais desejamos que o suplício
pare, mais ele sopra, avivando os maus momentos com a diligência de quem
acarreta achas para a fogueira.
Nessa disposição me encontro,
perguntando-me se não haverá maneira de deitar a outrem a culpa das minhas aflições.
Suponho que não há. Pior: com o andar dos anos aprendi que a culpa é sempre
minha, só minha, e cada vez que tento sacudir a água do capote ou choro
lágrimas de inocência, o diabinho chama o chefe, com as tenazes grandes e o
tridente afiado.
Céu cinzento, morrinha, nevoeiro, maus
pensamentos, ressaca da vida. E porque nada se vê, dou os bons-dias, sorrio a
quem passa, estou bem, obrigado, cuidado com a porta, veja se tem troco, isto
está de chuva, tira daí o gato, o padeiro demora, o enterro é às cinco.