Quem dera, começar o dia escrevendo sobre casos suaves, histórias românticas, dar conta de pensamentos bons e delicados. Nada e ninguém me obriga a ser azedo ou melancólico, a escolha é minha, portanto bem posso fingir e embelezar. Mas estou no mundo, muito consciente de estar nele, sofrendo, mais consciente ainda da minha impotência como indivíduo e cidadão.
Tenho paz, segurança, conforto, mas acordo e, à medida que as horas passam, não é a beleza dos montes ou a simplicidade quase bíblica dos vizinhos que se me impõe, antes o sofrimento e o desespero que imagino nas cidades, a tragédia da pobreza envergonhada, o horror dos que sabem que amanhã não haverá pão, que o tempo a vir será de pobreza e dependência.
Tive sonhos. Consegui realizar alguns. Mas que vida, que futuro espera a multidão jovem que já descobriu que nem sonhos pode ter? Que vão fazer os que, chegados à meia idade, podem olhar para trás, mas nada vêem no horizonte? Alguém imagina de verdade o terror dos idosos sem meios nem amparo? Os idosos que um dia foram como você agora é?
Com que boa consciência poderia começar eu o dia contando histórias da carochinha? E dirá você: que adianta sofrer pelo que não se pode remediar?
Ambos temos razão e vamos à vida, esquecendo, fingindo não ver, rezando para que o mau Destino não bata à porta.