Mau começo do dia, o pensamento que me vem de que, comparando-a ao que oferece a imaginação, mesmo a mais aventurosa e espectacular das existências não passa de uma vidinha.
No meu caso, medindo pelo padrão corrente, não tenho motivo de queixa. Contudo, se me ponho a imaginar o que poderia ter vivido, lá se vai o contentamento, desce-me sobre a alma o nevoeiro espesso que a esta hora cobre os montes. E travo já, ou o risco é grande de que o azedume tome conta de mim, pinte de negro a claridade, me cegue para as razões de satisfação.
Claro que ninguém se contenta com uma vidinha. Desejamo-la grande, colorida, cheia de momentos altos, excitações e amores, vitórias, mas ela tem aquele jeito de torcer as voltas, retira a lupa com que nos queremos ver, põe-nos defronte o espelho.
É isso um mal? Uma crueldade? Talvez apenas um ensinamento: aceitar sem resmungo a vidinha que temos.
Assumo aqui o papel de frei Tomás, pregando o contrário do que me vai na alma, esperançado que os fiéis se mostrem também avessos ao sermão.