Raro me agrada dar com fotografias antigas, aquelas onde me vejo trintão, um sujeito que desconheço, modo estranho, o exterior cheio de certezas, por vezes até aquela pose de suficiência do been there, done that, got the T-shirt.
Tenho aqui defronte – não, não vou mostrar – a fotografia de uma festa de fim de ano. Companhia alegre, risos e sorrisos, charutos, champanhe, lindos corpos, belos decotes. Vejo-me um pouco afastado do centro, também de charuto, champanhe, sorriso, o ar displicente de quem está ali por acaso e gostaria de se ver longe.
Esse ar é comédia e a fotografia mente. Preparo o assalto para a primeira infidelidade e movimento-me em círculos, tal lobo que marcou a ovelhinha, com a minha fisgada que desta vez a colombiana não escapa.
Em geral desanda-se-me a cabeça com loiras, mas esta morena tem bruxedo, olhos dum outro mundo, a languidez fingida da pantera com cio. Basta vê-la sentar-se, sorrir, cruzar as pernas, para compreender como mesmo os santos caem por vezes na tentação.
Isto de contar histórias tem esse lado frustrante. O autor gasta um bocadito de tempo a dar voltas à cabeça, não sabe que começar, nem por onde, e então inventa. Sem vergonha nem problemas de consciência, desinteressado da ingenuidade do leitor – não da leitora, que essa adivinha logo – dá largas à fantasia, deita uma pitada disto e daquilo, umas promessas, um cheirinho de sexo, um bocadinho de suspense. E de repente, como o Altíssimo, que se aborreceu da Criação, deixa a história só com princípio.
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A fotografia da Miss Universe colombiana não tem a ver com isto, mas você já imaginava.