Não é que o deseje, mas mandam as circunstâncias: na idade a que cheguei o relógio acelera, o calendário deixa de ser o fiel instrumento da conta dos dias, ambos se desarranjam e nenhum Einstein explicará a avaria.
Com surpresa descobri que, inesperada e involuntariamente, me ando a despedir. Vou desapertando laços, esquecendo gente, diluindo entusiasmos, olho em volta com o sentimento irreal de, num papel absurdo, me descobrir figurante num espectáculo de sombras.
À primeira vista mal se nota, são fugidios os sinais, mas de facto já cá não estou por inteiro, parte de mim como que me sobrevoa, desligada, etérea, indiferente ao que acontece, talvez já naquele estado segundo que por vezes afecta os poetas e os monges.
Que ninguém se zangue com o meu desapego. Não é indiferença, desamor, cansaço ou desatino, apenas o fatal aproximar da meta em que, pelo menos por cá, tudo finda.