quarta-feira, maio 18

Godot


Ontem a meio da tarde passei por uma esplanada. Olhares vagos, caras aborrecidas, corpos fatigados, conversa em sussurros, umas vinte pessoas em mesas de duas e três, a atitude de quem espera o improvável Godot.
Horas depois. Outra esplanada. Quase a mesma gente, o mesmo vazio no olhar, as caras mostrando igual aborrecimento, os corpos curvados num pouco mais de fadiga. De vez em quando uma frase, um murmúrio. Seguiam com os olhos um ou outro carro, um ou outro cão que, lentamente, ia do sol para a sombra.
Sentei-me. Alguém disse:
- Uma água.
O empregado, a mão apoiada à ombreira do café, pareceu despertar, veio com a água.
- Mais duas bicas – disse a mesma voz.
Leu nos meus lábios que lhe pedia cerveja, acenou um sim e, a passo arrastado, desapareceu no estabelecimento.
A carrinha fez mal a curva, galgou o passeio, duas vezes em marcha atrás lá se  endireitou.
Uma mão na bengala, o idoso sentou-se às arrecuas na escada do tribunal. O taxista acendeu um cigarro, sacudiu com um pano o pó do pára-brisas,  passou-o lentamente  pelos faróis e o cromado. Sacudiu, dobrou, curvou-se a guardá-lo, fechou cuidadoso a porta do carro.
- Vem aí trovoada!
A mulher sorriu-me ao dizer aquilo, concordei com um gesto, vi que se voltava para a amiga a segredar, ao mesmo tempo que lhe mostrava  qualquer coisa que tirara da carteira.
Bebi o resto da cerveja, levantei-me, fui-me dali com a impressão de deixar um palco onde se representava uma peça de melancolia e desespero.