quinta-feira, junho 3

"Meu desespero ninguém vê, sou diplomado em matéria de sofrer" (*)

Já noutra ocasião lhe esbocei o retrato, e ela de certeza se reconheceu, mas agora é capaz de supor que tenho dons de adivinho, enquanto eu apenas decifro as entrelinhas dos textos que publica.

Amor não procura, nem sexo. Chegou à idade, quase quarenta, em que sabe o que teve, o que tem e o que perdeu. Eficiente no trabalho, dedicada no lar, na família e na sociedade faz o que dela se espera. Na cama também cumpre. Sorri. As rugas ainda não vieram, mas nota que o rosto endureceu, por vezes defronte do espelho sussurra para si própria que se está a masculinizar. Não está, é só receio. Sonha vagamente que gostaria de ter um camarada, alguém para partilhar sonhos, para rir, o retorno a uma adolescência que não foi a sua. Gosta de samba. Dança quando está sozinha em casa, e por instantes, simples curiosidade das sensações, transforma-se na pecadora que não quer ser.

------------

(*) Samba do compositor baiano Óscar da Penha - "Batatinha" (1924).