Seria bom, mas não vai acontecer, a menos que o Todo Poderoso repare e dê um jeito. Do mesmo modo que uns nascem com cabeça para contas e outros logo de pequeninos tocam Bach, a mim forneceram-me ricamente de certas antenas. Para dizer a verdade preferia ter menos, pois da maioria delas pouco benefício recebo, umas poucas fogem ao comum, as restantes complicam-me a vida.
Assim, por exemplo, sei de uma mulher que, por razões que desconheço e sem nunca me ter visto, cordialmente me detesta. Começa o marido a falar-me dela, logo as antenas se põem alerta. Frases, pausas, omissões, mudanças de tom, exageros de entusiasmo, tudo isso faz com que se me vão formando imagens que têm menos a ver com o assunto que refere, do que com a aversão que a madame ressente por mim e as palavras dele põem a nu.
Aborrecidamente sensíveis são também as que detectam mentiras. Sobretudo pequenas mentiras, aquelas de que nos perguntamos o que é que as motiva e que finalidade poderão ter. Que medos esconde alguém ao negar uma evidência ou um facto controlável?
Parece infantil, mas talvez não seja, pois se mesmo para nós próprios somos uma incógnita, antena nenhuma ajudará a decifrar o mistério em que os outros se envolvem.