Ainda do volume XIII do Diário de Miguel Torga (*)
“Coimbra, 15 de Agosto de 1980 – Não consigo lê-lo sem forçar a natureza. Há em mim uma exigência intuitiva de autenticidade que pressente, de longe, a impostura de um texto. Lançar ao papel uma só linha que seja que não obedeça àquele imperativo que faz a honra da literatura parece-me um atrevimento sacrílego e um ultraje à vocação. Imagino sempre o autor diante da página vazia numa atitude recolhida de professo, à espera da graça do verbo. Ora, no caso vertente, trata-se de um daqueles bem-aventurados que, seguros do seu talento, nem perdem tempo a merecê-lo nem ocasião de o exibir. Apenas sensíveis às variações do gosto e aos favores do aplauso, pouco lhes importa a essencialidade e a têmpera da obra. Mundanos das letras, tanto no oportunismo como no impudor, agentes de si próprios, não há promoção a que resistam. Dão-me sempre a impressão de que escrevem os livros na montra das livrarias.”
Não importa saber a quem terá servido a carapuça, sim que são muitos aqueles a quem ela serve.
(*) V. post de 10/07