“A corrupção desvirtuara todas as qualidades do carácter nacional. A justiça era um mercado, no reino e na Índia; e a nobreza ingénita, que além se traduzia em ferocidade, traduzia-se em Portugal num luxo impertinente e miserável. Era uma ostentação, já não era um orgulho ingénuo… O tipo de fidalgo pobre era tão comum e ridículo, que andava nas comédias, conforme se vê em Gil Vicente… Para satisfazer a vaidade dava tratos aos estômago. E a carestia dos víveres reduzia-o a pão e água, e rabanetes, quando os havia na praça…
O pobre mordia-se de inveja, diante do luxo insultante do que tornava da Índia rico, e se passeava na Rua Nova com um estado oriental. Precediam-no dois lacaios, seguidos por um terceiro com o chapéu de plumas e fivelas de brilhantes, um quarto com o capote e, em roda da mula, preciosa de jaezes e luzidia, um quinto segurava a rédea, um sexto ia ao estribo amparando o sapato de seda, um sétimo levava a escova para afastar as moscas e varrer o pó, um oitavo a toalha de pano de linho para limpar o suor da besta, à porta da igreja, enquanto o amo ouvia missa. Eram todos, oito escravos pretos, vestidos de fardas de cores agaloadas de ouro ou prata.”
De tempos a tempos releio a “História de Portugal”, de Oliveira Martins, e não escapo à associação de ideias. Felizmente já não há escravos, a União Europeia é para muitos uma razoável Índia e o Mercedes suplanta a mula.