Caminho pela cidade com um sentimento de desconforto, pois sem ser nela totalmente um estranho, deixei de lhe pertencer. Sou o passante que deambula pelo cenário da sua juventude e revê com outros olhos os lugares que a marcaram.
Despertando negrumes, surpreso ao dar-me conta de como foram profundas, mas inúteis, as dores de então, passageiras as alegrias, paralisantes aqueles sonhos em que as dimensões do mundo eram constantes e harmoniosas. Terei eu de facto sido assim?
Melancólico, deixo que o passado desfile em cenas que não são de vida vivida, mas painéis desbotados num panorama de artifício.
Não me interessam as ruas, as gentes, as casas, as vibrações do dia soalheiro. Vou ensimesmado, descobrindo que nem a experiência dos anos me ajudará a conciliar as vozes desencontradas que, dentro de mim, ora animam a agir, ora me censuram os actos, as palavras, os desejos. Que me culpam de não ser capaz de, duma vez para sempre, sacudir os entraves da memória. Me acusam de fraqueza, por retornar aos lugares onde sofri, com um impulso tão irreprimível como o que, dizem, leva os assassinos a rever o lugar onde, ao matar, também de certo modo morrem.