Nijmegen. A mesinha com os livros para autografar está à direita da entrada. Sento-me e agora é esperar. Inconfortável, a posição de manequim de vitrina. As pessoas vão chegando, olham e compram, ou só olham. Há os tímidos, que de longe observam a cena e depois de alguns rodeios se aproximam como que por acaso, afectando desinteresse.
Chega mais gente. Alguns arriscam um cumprimento, palavras de apreço, e finalmente surge o inevitável tarado. Com o ar decidido de quem sabe ao que veio, anuncia-me que quer comprar um exemplar, mas sob uma condição: que eu escreva numa das páginas em branco um comentário pessoal, de preferência irónico ou malicioso, sobre um escritor vivo.
Respondo-lhe mal humorado com um redondo não. A tentar convencer-me, o homem diz que estranha a minha atitude, pois até à data escritor nenhum recusou satisfazer o seu pedido. Atente eu que a negativa significa que não estarei presente na sua interessante, e um dia valiosa, colecção de volumes comentados.
Dá-me vontade de mandá-lo àquela parte, mas o lugar e a presença doutros obrigam a que me contenha. Repito-lhe que não e de súbito é como se estivéssemos numa feira:
- Palavra que não quer escrever? Só umas linhas? Olhe que se arrepende. Vou-me embora e não compro livro nenhum.
Uma espécie de Feira do Livro num dos canais de Amsterdam. Estou sentado entre uma parede e uma mesa com alguns livros meus. A multidão passa, ininterrupta. De vez em quando alguém pára, folheia, olha os livros, encara-me, sorri. Um diálogo de surdos-mudos.
Uma mulher agarra um livro, abana com ele a chamar a minha atenção e pergunta:
- O senhor fala holandês?
No mesmo momento em que lhe respondo ela pousa o livro e, sem me encarar nem reagir, volta-me as costas.
Um casal. Acenam de longe, sorrindo com simpatia. Aceno e sorrio também. Param, voltam atrás, o homem grita por cima das cabeças:
- Hoje de manhã comprámos um livro seu.
- Obrigado.
- E vamos lê-lo.
Que responder?
No mesmo lugar, à mesma mesa. Dois sujeitos aí duns trinta anos param, folheiam distraidamente os livros - que procurarão ao fazer correr assim as páginas? - pousam-nos, pegam noutros. Um deles abre um livro meu, olha a capa, revira-o e, apontando-me como se eu fosse uma figura de cera e não um ser vivo ali a metro e meio deles: - Já leste alguma coisa deste gajo?
Leiden. Imóvel e silenciosa, uma mulher observa-me há minutos. Aquilo começa a tornar-se desagradável. Levanto-me para alcançar o livro que um rapaz me entrega para autografar, e nesse momento a mulher desperta, sorri, e diz-me contente: - Enganei-me! Julguei que fosse mais alto!
Amsterdam. “Mercado das Letras” no Bijenkorf. Somos mais de cinquenta, sentados atrás de mesas onde os nossos livros se empilham. O público passa durante três longas horas. Incessantemente. Milhares de rostos. De vez em quando alguém folheia um livro, compara o retrato do autor na contracapa com a cara da realidade, ou pede um autógrafo, tira uma fotografia.
À minha direita uma senhora especializada em obras de etiqueta. À minha esquerda uma escritora americana diz que não aguenta tanto tempo sem fumar, e fuma às escondidas com uma satisfação de criança maliciosa, soprando o fumo para o soalho.
Um coleccionador não quer apenas um autógrafo, mas pede - não pede, exige! - também um desenho. Como não quero, nem sei o que desenhar, ele diz que nesse caso também não precisa do autógrafo. Assim seja.
As balaustradas dos andares superiores estão cheias de um povo que se contenta com olhar para baixo e ver tanto crâneo de literato.
- Diga-me uma coisa: aquelas peripécias dos seus contos aconteceram mesmo?
Santa inocência! Esperar que um escritor escreva a verdade, quando para ele o que mais conta é a arte. E na arte a verdade não passa de um acessório menor.