sexta-feira, março 23

Partida

Vou amanhã para Portugal. Desde há alguns anos a véspera de cada viagem para lá, ou de volta, tornou-se involuntariamente num momento de melancólica reflexão sobre a minha pertença a dois países, a duas línguas, a duas sensibilidades, a duas tão diferentes maneiras de existir, agir e pensar.
Umas vezes digo-me que enriqueci o espírito, noutras tenho a impressão de que me amputei. Ora me regozijo com as vantagens deste duplo pertencer, ora me amarfanha a certeza de que em parte nenhuma pertenço por inteiro. Tenho consciência de que constantemente ganho e perco, mas sem que o ganho traga satisfação ou a perda se mostre irremediável.
Talvez por isso só na língua materna encontro a estabilidade que no resto me falta. E parafraseando Pessoa - “A minha pátria é a língua portuguesa” - de verdade ela para mim não é apenas idioma, modo de expressão, mas como que um lugar, por vezes mesmo um refúgio.