sexta-feira, dezembro 30

O livro do arquitecto

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Autor de O Último Verão na Ria Formosa, o qual, ouviu-se então nos mentideros, quase lhe valeu o Nobel, o arquitecto Saraiva publicou em Setembro passado Eu E Os Políticos. Desopilante numa ou noutra passagem, mas com suficiente ranço para da parte de alguns justificar pensamentos menos cordatos. Todavia, é de justiça que, pela involuntária ternura que demonstra, se refira aqui o apontamento que faz na página 45, de ter conhecido o nosso Primeiro Ministro, então "um miúdo pequenino, a brincar debaixo da mesa onde comíamos… e que a mãe tratava por Babouche".
Com o significado de pantufa ou chinelo, a palavra babucha vem-nos do árabe, li-a pela primeira vez n' A Relíquia, de Eça de Queiroz, refere-a ele também  nos relatos sobre o Egipto e a Terra Santa. Mas em francês, babouche, além de soar  requintada, parece exprimir em simultâneo uma rechonchuda bonomia, dando ideia de o carinhoso apelativo ter sido singularmente premonitório.
Na verdade, de todos os Primeiros Ministros desde Abril de 74, só em Mário Soares se encontra aquela maneira de abraçar. O caso é que António Costa leva a melhor  na jovialidade e no optimismo.
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Publicado no CM

domingo, dezembro 25

Consoada

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A Consoada, ontem, foi de amizade, melancolia, de juventude e velhice, da recordação triste dos que nessa noite nos deixaram. 
Os rapazes da aldeia acenderam a fogueira do Natal.
Esta manhã, pouco passava das sete e o nevoeiro cobria tudo, o nosso vizinho, 86 anos como eu, viúvo, sozinho em casa, não fez conta de ser domingo ou Dia de Natal: subiu ao tractor, fê-lo roncar, e em marcha atrás, porque o beco não dá para manobras, passou sabe Deus com que destino de tarefa inútil, ou na ânsia de acelerar o tempo.

sexta-feira, dezembro 23

Natal


VOTOS DE FELIZ NATAL? FAZ SENTIDO?

sábado, dezembro 17

O outro mundo

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De longe a longe ocupam-me as visões de Swedenborg (1688-1772). Esse famoso sueco, competente em Engenharia Militar, Hidráulica, Teologia, Química, Anatomia e outras ciências, foi um dia visitado por ninguém menos que Jesus Cristo, relatando que várias vezes subiu ao Céu na companhia do Redentor.
Na ocasião em que a entrevistei, também a Santa da Ladeira me disse ter feito duas dessas ascensões, confirmando as palavras do sueco: lá em cima é a réplica exacta do que existe e se passa cá em baixo.
Por razões várias desagrada-me a possibilidade. Então dentro em pouco - na minha idade o tempo voa – dou o último suspiro, chego ao destino e encontro lá  o que aqui me afligiu? Ouvir o senhor Marques Mendes? Ver telenovelas e programas de cozinha? O Primeiro Ministro a garantir prosperidade para o ano que vem? Suportar relatos de futebol? Discursos? Intervenções parlamentares? O senhor Matias da farmácia, que começava sempre  as frases com um “Ó meu grande amigo!”? Haverá filas de trânsito? Cartazes? Máfia? Políticos corruptos? Banqueiros DDT?
Será que o Céu não existe e é tudo Inferno?
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Publicado no CM.
 

quinta-feira, dezembro 15

Que sabem os outros de nós?

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Que sabem os outros de nós, mesmo quando a nossa biografia é pública? Que sabem de nós, mesmo se confidenciamos ou confessamos? Que sabemos de nós próprios? Que queremos saber?
A cada instante o semblante muda, o sorriso é diferente, o modo fingido, as palavras ditas com o significado e a intenção que os outros esperam e espelham as que eles nos dizem. Movemo-nos num teatro de sombras, em palco de aparências, tão habituados à representação que a levamos a sério e nela nos sentimos bem. Vivemos a nossa fantasia no emprego das nove às cinco, vivemo-la com a família, entre os amigos, na rua, imitando a solidariedade, o carinho, o entusiasmo, a atenção, os cuidados.
O eu, o verdadeiro, aquele que tudo sabe – sim, tudo - e nos atormenta, a esse há muito condenámos à prisão perpétua. Infelizmente, o cárcere não é à prova de som, deixa passar os sussurros, quando menos esperamos ouvimo-lo desfiar o que queremos esquecer da nossa biografia e de nós próprios.
 

terça-feira, dezembro 13

sábado, dezembro 10

Somos uma vergonha

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"Portugal é uma vergonha". Escreveu-o Vasco Pulido Valente no Observador, com a costumeira mistura de forte autoridade de doutor de Oxford, sobranceria alfacinha, e a visão panorâmica que lhe assegura a nuvem onde se senta, mirando do alto a corrupção, a bandalheira, a pelintrice do lodaçal em que esperneamos, e donde, segundo ele, nada ou ninguém nos tirará.
Pequenos como somos, metidos num canto, o mundo talvez nem se aperceba das desgraças que nos aguardam. O mesmo, porém, não acontecerá com a América, a quem VPV profetiza calamidades bíblicas. Segundo ele, esse grande país "perdeu o domínio tecnológico", paga as contas de todos sem ter vintém, vai ser governado por um tosco que berra muito, demonstra impotência e é "uma criatura sem grande imaginação".
Fosse isto anunciado por um tarólogo, haveria motivo de desassossego, pois sofrendo a América sofremos todos. Felizmente, são apenas palavras de um festejado cronista, talvez aflito com a falta de assunto ao ver próxima a hora de fecho.
Sentados numa nuvem mais alta, Eça e Fialho, que também lêem o Observador, sorriram à recordação das vezes que estiveram no mesmo aperto.


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Publicado no CM.