quinta-feira, setembro 22

Omnia vanitas

 

Para alguém como ele o espelho de nada adianta, porque o ego só lhe deixa ver a imagem que criou de si próprio.
Alto, magro, grisalho, sessentão, veste com mais cuidado que bom gosto. Camisas de seda, gravatas de seda. Os sapatos rebri­lham. Um barbeiro capaz esponta-lhe semanal­mente a cabelei­ra. Audemars Piguet com pulseira de ouro maciço. No pulso direito um amuleto mexica­no. Usa as unhas longas, cortadas em bico e, num gesto de coqueteria antiga, bate na do polegar o cigarro, que depois enfia na boquil­ha de marfim.
À sexta-feira, ao fim da tarde, visita regularmente o mesmo bar. Só bebe Laphroaig. O seu sonho secreto é de um dia vir a ser ministro, e quando fala de política vê-se-lhe nos olhos um curioso brilho.
Caminha pausada­mente de cabeça erguida e um ligeiro gingar de nádegas que, fosse ele uma anciã, passaria por sensual. Aliás, examinado em detalhe ou tomado em conjunto, todo o seu ser é feminil: a finura da pele, o olhar, os gestos, a boca franzida num esboço de sorri­so, o tom de voz, o modo como ouve, uma certa falsidade, o veneno do carácter.
- Levando em conta o meu modo de ser e as coisas que acho realmente interessantes, se tivesse de me definir - diz ele, convicto da sua objectividade - creio que no fundo sou mesmo o que se costuma chamar a man's man.