sexta-feira, janeiro 21

A morte dos outros

 

Ofereceram-mo sem intenção maldosa, mas na minha idade a leitura de Nada a Temer, de Julian Barnes, está longe de ser revigorante.

Vou a meio das duzentas e cinquenta e quatro páginas, e aquilo é morte pra aqui, morte pra ali, doença assim, invalidez assado, cadáveres, cenas tétricas, decomposições...

O passamento dos amigos de Flaubert, os cinco anos da agonia de Ravel, o enterro de Shostakovich em Veneza, o diálogo de Arthur Koestler com um aviador, o primeiro a dizer que não tinha medo da morte, mas medo de morrer, o outro a afirmar o contrário.

Sei agora que Gogol faleceu a gritar, Diaghilev desatou às gargalhadas, e Daudet ao terminar a sopa. É de esperar que a morte deste último tenha sido fulminante, porque os médicos "tentaram durante hora e meia (!) reanimá-lo, segundo o método então popular de tracção rítmica da língua.”

Se de facto não rio às gargalhadas, a verdade manda confessar que tenho sorrido. É que o relato da morte alheia oferece esse bizarro conforto: dá a impressão de que a nossa ainda vai demorar.