domingo, janeiro 31

Não é só vírus e vacinas

                                                                                

(Ontem, sábado, dezenas de milhar de franceses saíram à rua em demonstrações de protesto contra a lei de segurança. Segundo os organizadores houve demonstrações em mais de 55 cidades, tendo participado cerca de 33.000 demonstrantes, dos quais mais de cinco mil em Paris.) 

Hoje, domingo, em Amesterdão a Polícia prende trinta pessoas numa demonstração contra as medida do coronavírus.
 
Hoje, domingo, centenas de aprensões em Bruxelas nas manifestações contra as medidas do coronavírus.

Dás-lhe um dedo, leva a mão

Da internet aos automóveis eléctricos, do YouTube às sondas lançadas para Marte, a maravilha que é falarmos e vermos no telemóvel alguém que nesse momento se encontra noutro continente, o Bernardo é um desmedido entusiasta do progresso, vive na expectativa da descoberta de soluções que modifiquem de modo radical o nosso dia-a-dia. Se por exemplo começa a falar de telemóveis dá a impressão de que sem dois deles nem se respira, pobre do que lhe vier dizer que são complicados no funcionamento, esse leva uma desanda que o reduz à condição de analfabeto ou pobre de espírito.

Todavia, num aspecto, um único e esse é a sua paixão, a fotografia, se concede que são extraordinárias as qualidades das câmaras dos telemóveis, nada, mas mesmo nada chega aos calcanhares da Rolleiflex que herdou do pai, com a qual ele próprio considera ter já alcançado, pelo menos nos retratos a preto e branco um nível de profissional.

Os amigos ouvem-no, sorriem daquela vaidade, mas não estando presente são menos generosos, e se concordam que uma vez por outra os seus retratos mostram alguma qualidade, sentem pouco entusiasmo pelo plano de que tem falado, o de retratar alguns deles em casa, com a família, no que considerarem momentos de felicidade doméstica.

Acontece que o problema não está em serem retratados, sim no facto de que além de solteirão com hábitos peculiares, abrindo-lhe a porta é bico de obra conseguir que se despeça. E uma vez dentro sente-se em casa, vai pelos quartos, abre gavetas, pega em objectos, tira livros das estantes, rebusca aqui e ali, desarruma, espreita nos cantos. Então na cozinha nem vendo se acredita: mexe em tudo, prova, torce o nariz, falta isto e aquilo, a sua receita é melhor. Só que sentado à mesa mastiga com a pressa de uma fome de três dias, e claro que critica o vinho, porque não tem corpo, é demasiada a acidez, muito presente o tanino, mas duma garrafa passa a outra, da sobremesa nada fica, café quer sempre dois, mostra-se desapontado se não houver charutos.

Já quase todos tiveram com ele um caso, mas o do Martins leva a palma. Grande jantar de aniversário, na cozinha um chef de nomeada, dezasseis à mesa, um banquete. A certa altura Cidália sente-se mal, desculpem mas vai deixá-los, o Martins explica que é da medicação, nada de alarmante, continue a festa. Só que na hora da despedida o Bernardo tinha desaparecido. Foram encontrá-lo vestido e calçado a roncar na cama do casal, abraçado à Cidália, que toma Xanax em doses duplas.