quarta-feira, setembro 16

A viagem coronária (1)

  

                                                                              (Clique)

Isto vai ser então uma conversa como se teria entre amigos, só que será ao correr da pena e sem preocupação de que a prosa saia apurada, conversa livre que começa por coisas do passado e anotar que, ao contrário de um imenso número de almas em redor do mundo e dos meus compatriotas em particular, tenho pelo automóvel um interesse banalmente prático. Aí para trás já ficou que pude comprar o primeiro, quase como um presente que me dei aos trinta e três anos, um Fiat 1200 especializado em avarias e de que me despedi sem saudades, no dia em que o destino mandou que a roda da sorte virasse de tal maneira para o meu lado que, sentindo-me on top of the world, me dei ao luxo de comprar o coupé da fotografia, também Fiat, este um 1.600, carrosseria de Pinin Farina, preto, assentos de couro vermelho.

Foi festa durante coisa de um ano e meio, ao fim do qual a sorte desandou. E de tal modo que me vi a frequentar as ruas da amargura, tempo bastante para aprender umas quantas lições sobre a vida, as amizades, a natureza humana, a solidão e as horas negras de certos dias. Escapei the wiser and the sadder (usarei anglicismos de vez em quando, como prova de que leio o Observador) e os carros que comprei desde então foram poucos e todos práticos: cinco Ford, um Renault, um Citroën Picasso, e finalmente o Opel Zafira que está na fotografia. Poucos carros para tantos anos, os dois últimos em segunda mão, o Citroën passou para a filha mais nova e ultrapassou recentemente os 300.000 km. Pelo mesmo andar vai o Opel, que comprei quando rodara uns magros 30.000 e com treze anos ao meu serviço marca agora 137.400 km.

Este arrazoado, contudo, não o faço para falar de carros nem de quilómetros, mas de gentes, da pena que uns têm de mim e o desdém que muitos não escondem, porque um gajo que ano atrás ano vem com a mesma carroça, não serão os pneus que estão nas lonas, mas deve ser esse o estado das finanças do cujo. Sucede que por vezes nem conseguem esconder o que lhes vai na alma, e como se não confiassem no que os olhos lhes mostram, olham-no lentamente, a seguir encaram-me e perguntam descrentes: - É o mesmo?

De facto é e continuará a ser enquanto sem avaria continuar o bom serviço.

Até amanhã. Fiquem bem

----------

PS Mil desculpas aos que aqui vieram esta manhã. O texto desapareceu durante umas horas, e não terá sido feitiçacria, mas fraqueza da internet por estes lados.