domingo, abril 12

Nem pensem no que aí vem


Diz o Gomes que é facto, muitas vezes a pessoa tem um pressentimento estranho e mais tarde  descobre que o palpite bate certo, motivo de sobra para não descartarmos à ligeira o que em certas ocasiões nos deixa preocupados porque não lhe descobrimos a razão.
Nessa altura, se bem recorda nem de longe se falava em epidemias, ou se já havia uma na China ainda não vinha nas notícias, os perigos que então assustavam eram os ciclones na América e os terramotos na Turquia, no Irão, no resto tudo ia correndo com altos e baixos como de costume.
Somos só quatro e como o café fechou estamos em casa do Zé Gomes, aliás a convite dele, porque quer saber a nossa opinião e se nos parece que valerá a pena ir falar com algum jornalista da SIC, a Cristina...
Quem como nós há mais de vinte anos o conhece sabe que o Gomes é bom rapaz, mas tem ocasiões em que deixa vir à tona aquela certeza sua que o torna irritante, a de que possui um dom que sem ser exactamente de adivinhação lhe faz sentir que algo de excepcional vai acontecer.
Se ele não está às vezes gracejámos com aquela bizarria que daria jeito se nos ajudasse a ganhar o Euromilhões, mas assim que chega mudamos de assunto e como um nada o arrelia nunca o contradizemos, aguentamos a sua mania com a mesma paciência que ouvimos o Simões contar as aventuras que viveu quando andava embarcado nos cruzeiros ou o Freitas nos enche com os perigos que correu na Guiné.
Agora ali na sala do Gomes abrimos as cervejas, bebemos à saúde, venha então a novidade. Mas o nosso amigo, que andou anos no seminário e quase saiu de lá padre, raro vai directo ao assunto, mantém desse tempo um gosto pelo suspense e em vez de responder quer que lhe digamos se em nossa opinião este coronavírus não tardará a ser apenas uma gripe, ou iremos assistir a uma terrível mortandade no mundo inteiro, seguida de fomes,  guerras, sabe Deus que mais.
Somos todos pelo optimismo de que esta crise depressa vai passar, mas a expressão do seu rosto mostra-nos que discorda, e quase solene, pesando as palavras, anuncia o pressentimento que teve: isto irá demorar e ainda há-de ser maior a desgraça, mas para surpresa do mundo a solução não vai vir da China ou da América, mas da grande Índia.
Entreolhamo-nos em silêncio, não lhe vamos dar o gosto de concordar ou contradizer, dá-se o caso que desde que António Costa esteve na Índia e regressou inchado de vaidade brâmane, o nosso Gomes, indefectível do PM, vê tudo por um só óculo: ou vem da Índia ou não dá.