quarta-feira, novembro 6

Nótulas (24)


O mais certo é que nem todos se dêem conta, sobretudo os que olham para o mundo do  alto da sua torre de vaidade, mas não há dúvida que de modo geral aquele que julga escrever ficção involuntariamente mostra muito de si mesmo, e para descobri-lo nem é preciso conhecer a senha.
De modo que numa ou noutra altura em que me aborreço por falta de diversão, pego num romance de Fulana ou de Sicrano e bastam algumas páginas para encontrar o que procuro.
Frases inócuas na aparência, idiossincrasias, certo tipo de construção, maneirismos do vocabulário, é como se pouco a pouco lhes fizesse uma radiografia. Por vezes procuro-lhes o retrato, gosto especialmente daqueles que os mostram absorvidos pelo teclado do computador, como se o fotógrafo estivesse por detrás do buraco da fechadura.
Satisfeita essa pequena maldade vou à minha vida, e se é ocasião em que a deadline me amarra à escrita, nas primeira frases talvez ainda consiga esconder-me, mas desconfio que depois também eu involuntariamente me mostro.