domingo, setembro 15

Bilhetes (92)



Indo por partes: o mundo não é um lugar seguro, mas com o amparo da família, dos amigos, das leis, da polícia, a cautela precisa e algum senso comum, a maioria, se não um grande número, consegue sobreviver e aguardar em paz o último suspiro.
Todos sabemos também que já antes do aparecimento do Antropos erectus o forte dominava o fraco, situação que nem as religiões conseguem eliminar, não está nas promessas da inteligência artificial e vamos aceitando como uma fatalidade.
Um triste exemplo do forte sobre o fraco vem de longe, a prática de muitos povos primitivos que se livravam dos anciãos, uns cruelmente e à bruta atirando-os para os despenhadeiros, outros poupando-se a trabalheira ao deixá-los num ermo, de modo a que abandonados e débeis se finassem sem incomodar.
De acordo com as posses, as famílias que hoje em dia não querem aturar os seus pais e avós, porque estão sempre doentes, têm birras, mau feitio, ou com a sua fraqueza são um tropeço, dispõem de vários meios que lhes permitem salvar as aparências e livram da acusação de crueldade.
Entrando agora no assunto: estava eu ontem em santa paz a ler o jornal holandês de Volkskrant, quando os olhos me caíram num título que pedia atenção: “Os jovens que hoje se queixam dos idosos serram o galho onde eles próprios estão sentados”.
Continuei a ler e abriu-se-me a boca, porque há polémica e eu, distraído, não tinha dado por ela. Pelos jeitos esta juventude do clima, das verduras, do ar puro, dos vários géneros, cores, raças, manias e tanto mais, acordou agora para a realidade de que aos idosos deve ser retirado o direito de voto, pois tendo pouco tempo de vida o seu voto não deve poder influenciar a vida dos jovens.
Também é culpa dos velhotes o drama climático, pois há eternidades que andam de carro, de combóio, avião, querem continuar a gozar dos perigos que os seus trisavós criaram com a Revolução Industrial, a comer carne, e com o seu desleixo, poucas forças e estupidez contribuem para esgotar o planeta. Fora com eles, que a manjedoura não chega para todos.
Quando era rapaz Frank Zappa cantava que os maiores de trinta anos deviam morrer, mas ele próprio chegou aos cinquenta e três. Eu sinceramente faço votos para que esta rapaziada viva ainda mais tempo do que eu, e lhes caiba a espécie de activistas que merecem pelo que hoje pensam e exigem.
Não sabem nem querem saber, mas quem as faz paga-as, como continua válido que filho és pai serás.











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