sábado, agosto 10

O destino está na alcunha


Em certos momentos é difícil evitar a recordação de como, entre irónica e carinhosa, a mãe do Adriano o repreendia, chamando-lhe “tolinho”. Embora fizesse quanto podia para passar despercebido, e pouco dado a traquinices, nele o corpo e o cérebro pareciam funcionar de maneira que por vezes resultava em inesperados movimentos ou actos contrários aos da sua intenção.
Os anos, a gentileza natural e a bondade do carácter fizeram do Adriano uma pessoa agradável, só de longe a longe se nota no seu comportamento um daqueles desequilíbrios que traz à lembrança a repreensão materna.
Sempre bem barbeado, por volta dos quarenta deixou crescer o bigode, mas ao contrário da discrição que  esperávamos, o seu apêndice descaía pelos cantos da boca até ao queixo, dando-lhe um ar de mexicano.
A alcunha foi de geração espontânea, e desde então tanto o tratamos por Adriano como por “Bigodes”, mas agora é chamar-lhe “tolinho” o que mais depressa nos ocorre, pois poucos como ele se deixarão influenciar pelas questões  do clima, da poluição atmosférica e do perigo que, dentro em pouco, no planeta venha a escassear a água potável. Também o assombram as previsões de que “gastamos” a Terra.
Todos vemos as mesmas notícias, deixamos a quem manda o trabalho de remediar as situações, encolhemos os ombros às más profecias e vamos à praia. Todavia, se é esse o comportamento corrente, o do “Bigodes” atinge o limite, a ponto que por vezes nos perguntamos quanto demorará até que a sua companhia e a sua conversa se tornem um peso que não queremos suportar. Porque já não é somente a insistência em recomendar esta ou aquela verdura, fazer sermões a propósito de certos grãos só conhecidos em remotas partes dos Andes, é aborrecer-nos também com as suas teorias da respiração, porque segundo ele, e ao contrário do que parece natural, expirar bem, “libertando os pulmões da sujidade”, é infinitamente mais importante do que aspirar.
Isso bastaria como incómodo, mas o bom Adriano descobriu-se uma veia radical, e à simples menção de aviários, matadouros, talhos ou peixarias logo desnorteia, encara-nos com o desdém do justo pelos pecadores, mostra-se ofendido e põe cara de nojo se algum de nós se entusiasma a falar de caldeiradas ou de como saboreou uma posta mirandesa.
Estávamos, porém, longe de esperar que no sábado o levassem preso por no supermercado ter partido à mocada a vitrina das carnes, se bem que isso prenuncie o que há muito tememos: continuando assim acaba no Rilhafoles.