segunda-feira, julho 15

Para que conste



Tradução livre de excerptos do artigo de Ger Leppers, antes referido, publicado no jornal TROUW de Amsterdam no sábado passado sob o título: ‘J. Rentes de Carvalho, desdenhado no seu país, amado no nosso. E vice-versa.

Chegado há pouco aos oitenta e nove anos, José Rentes de Carvalho tem atrás de si uma vida agitada e uma carreira literária de excepcional variedade . Reside metade do tempo na sua aldeia (Estevais de Mogadouro) e metade em  Amsterdam, não sendo de admirar que se sinta tão português como holandês, não somente por ter sido durante décadas “o nosso português”, mas também porque a quase totalidade dos seus livros foi (primeiro) traduzida e publicada no nosso país. Para um escritor deve ser uma estranha sensação olhar para as estantes e ver nelas uma longa enfiada dos seus livros, mas a maioria deles numa língua em que não os escreveu, livros com o seu nome como autor, mas cujas palavras foram escolhidas por outros. Mesmo se esses outros não tenham sido uns quaisquer, mas proeminentes tradutores como August Willemsen e Harrie Lemmens.
Por razões nem sempre claras, foi Rentes de Carvalho ostracizado e desdenhado no seu país, tendo a sua voz sido raramente ouvida. Que os portugueses se tenham assim deixado roubar de um dos seus mais interessantes escritores, é facto que me espantou a partir do momento que o comecei a ler.
No nosso país, bem ao contrário, Rentes tornou-se imediatamente conhecido com o seu livro Com os Holandeses, que foi um enorme sucesso, tendo sido reeditado durante décadas.……..
 Enquanto que em Portugal se fazia um grande silêncio em torno do seu trabalho, Rentes publicava entre nós romances, contos, diários, um volumoso e muito aclamado guia (Portugal, um guia para amigos) e sobretudo Ernestina, um livro sobre os seus avós, os seus pais e os anos de adolescência, e culmina na esplêndida e delicada descrição da perda da sua virgindade. Sempre achei que comparadas às de Rentes, as recordações da juventude do Prémio Nobel José Saramago são fraquitas.
Cerca de 2008 a maré mudou para Rentes de duas maneiras e subitamente, depois de ter entregue à editora o manuscrito de A Ira de Deus sobre a Holanda.
Nesse livro Rentes exprime a sua preocupação pelo que vê como uma incapacidade de resistência dos Países Baixos ao avanço invasivo dos imigrantes, o que desagradou ao editor – muito ligado ao PvdA (Partido Trabalhista) – o qual fez quanto pôde para adiar a edição, acabando por fazê-lo nas circunstâncias que Rentes descreve no prefácio de A Ira de Deus sobre a Europa, pondo fim a uma relação de quarenta anos.
Porém, tão subitamente como a maré baixara na Holanda, em Portugal fez-se maré cheia. O poeta, jornalista e ex-Secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, encontrava-se a chefiar a importante editora Quetzal, e sendo há anos um admirador da obra de Rentes de Carvalho, decidiu editar todos os seus livros em cuidadas edições.
Num curto espaço de tempo, como por toque de varinha mágica, Rentes de Carvalho alcançou na Literatura Portuguesa aos 78 anos o lugar a que o seu talento tinha direito, e que durante dezenas de anos lhe tinha sido negado. Viram-no na televisão, recebeu condecorações, prémios, iniciou um muito apreciado e muito lido blogue, tem uma crónica semanal num diário de grande tiragem.
Contudo, quando antes das eleições legislativas de 2017 Rentes, como cidadão holandês, anunciou que em protesto votaria no partido de Wilders, resultou isso em consternação, pois também em Portugal existe alguma animosidade contra esse partido. Mas a Holanda é longe e as pessoas esquecem depressa.
Além das obras anteriores de Rentes de Carvalho a Quetzal publicou dois novos romances, pois continua infatigavelmente a escrever. Mentiras & Diamantes, em 2013 e o premiado O Meças em 2016. São dois romances muito diferentes, o primeiro um thriller que traz à lembrança os romances de Graham Greene, enquanto que o segundo mais uma vez nos dá um retrato fascinante da vida da província em Portugal, um tema que o escritor não consegue esquecer. Mas estes últimos dois livros não foram traduzidos em Neerlandês, de maneira que desta vez não são os Portugueses, mas os leitores holandeses que ficam a perder.