sábado, julho 13

O pau de Cabinda


É assim desde que o conheço, incapaz de ir direito ao assunto, sempre com rodeios, e quando estes começam a dar na vista passa então para o interrogatório, fingindo  interessado em saber o que penso disto e daquilo, deste e daquele, se vou seguindo a política, se ainda leio muito. Quando finalmente, o que dura vidas, se dá conta que a minha cara denuncia impaciência e os olhos se me perdem no horizonte, lá fala então do que o preocupa e quer partilhar.
Desta vez foi a complicada relação que mantém com a filha divorciada e a estranheza que lhe causa o neto, de quem pouco ou nada sabe, nem faz ideia do que estuda, em que se ocupa, as amizades que tem, quase nos trinta vive ainda com a mãe e à custa dela. Porém, talvez tudo isso fosse o menos, não se desse o caso de também não ter ideia qual será a orientação sexual do rapaz – ele pronuncia orientação sexual franzindo os lábios e como se o fizesse entre aspas – pois o que julga depreender da aparência, dos modos, do vestuário e da linguagem do neto o confunde, “porque o sujeitinho não é carne, nem peixe, coisa nenhuma”.
- Se fosse dos da panelinha, como antigamente se dizia, não me importava, é o que mais há. Mas se lho pergunto, em vez de responder muda de assunto e vem com aquele risinho dele. Palavra que tenho horas… Se fosse noutro tempo bem sei o que lhe fazia, mas hoje em dia nem um berro se pode dar, são tudo direitos e pane… merdices.
A julgar que assim o acalmo pergunto-lhe pela filha e logo me arrependo: no rosto vejo que a sua tensão sobe, é mau prenúncio a maneira como agarra os dedos e os faz estalar.
- A Catarina? Tal mãe tal filho. Pode ser que um milagre a salve, porque a vejo perdida de todo. Já foi dos Jeovás, já foi do yoga e do Bhagwan, esteve no Tibete, agora é das tatuagens e vive com um tipo do futebol… Enfim, é lá com ela, a mim tanto se me dá como se me deu.
Ao vê-lo mexer-se no sofá julguei que fosse despedir-se, mas depois de pigarrear à maneira de introdução  e fingir um sorriso, lá se decidiu:
- Arranjei uma rapariga.
- Parabéns.
- Mas é novita. Lembras-te daquela anedota do tipo que nunca as levava para a cama, mas ia com elas pros campos de milho?
- Lembro. E ao sentir que não entesava dizia “Vamos embora, filha, vem ali gente.”
- Eu estou nesse ponto. O caso é que não sou de viagras e venho-te perguntar se sabes onde poderei arranjar pau de Cabinda que seja de confiança.
Fiquei de boca aberta porque não sabia o que fosse, mas a verdade é essa: a morrer e a aprender.