sábado, julho 27

A queixa ao PÃO


Fácil seria nomear o lugar, as pessoas e o acontecido, mas cair na asneira de o fazer abertamente neste tempo a que chamam civilizado, traria daquelas consequências que ficam para a história e mais tarde se contam num tom em que entram à mistura a descrença, o humor, a irritação e a dificuldade de compreender.
Chamemos-lhe então Bernardina. As boas almas ouvem-na e perdoam-lhe, mas as outras e as que pela primeira vez a aturam, têm dificuldade em manter a calma, só aguentam fazendo ouvidos de mercador e continuando a sorrir.
Umas vezes à maneira de intróito, noutras talvez supondo que assim dá força à sua argumentação, quase sempre começa por anunciar que infelizmente é viúva, mas o defunto esteve trinta e um anos na Polícia, por isso não lhe venham com tretas, pois é capaz de saber mais de leis do que muito doutor que por aí anda.
O que desta vez a leva a mencionar os seus conhecimentos jurídicos tem a ver com duas dinamarquesas que há coisa de ano e meio apareceram na aldeia, compraram a casa do falecido Ventoinhas, o quintal, acrescentaram-lhe um bocado do terreno do Culatra, fizeram um muro à volta e têm aquilo cheio de bicharada.
- Cães ou gatos ninguém se ia queixar, há muito quem os tenha. Que só arranhem a nossa língua, nada contra. E que sejam das tais, tanto se me dá como se me deu, cada qual come do que gosta. Agora os bichos que lá têm, só vendo, e alguns nem sei o que são! Mas pronto, até isso ainda seria o menos. O fedor é que não se aguenta! Mesmo sem vento, basta uma aragem e parece que estão a abrir uma fossa.
Do outro lado da rua também se queixam, mas eu e a Zeferina é que apanhamos em cheio e ninguém resolve isto. Vem o regedor, vem a GNR, vêm os da Câmara, andam dum lado para o outro com o nariz no ar, e que sim, de facto, mas irem bater à porta das camones é que não vão, porque pelos jeitos têm as licenças todas.
Foi aí que eu disse à Zeferina que se era assim tratávamos nós do assunto, íamo-nos queixar ao PÃO.
- Ao PÃO?
- Sim, esse partido novo, dos bichos e outras coisas.
- O PAN.
- Ai, é assim que se diz? Olhe que não sabia. Pois foi a esses que escrevemos, porque se são contra as beatas no chão e a porrada nos cães, também hão-de ser contra a porcaria e outras coisas. Não acha?

Encontro-a uma manhã a escolher fanecas no Pingo Doce e não preciso de perguntar:
- Nem pio! Mas olhe que já esperava, porque tão bons são esses como os outros. Da direita, da esquerda, de cima ou de baixo, todos iguais, o que eles querem é a manjedoura.