sexta-feira, maio 17

Bilhetes (19)


Parecerá entretém para uma ou outra noite de insónia, pôr-me a calcular quanto tempo tenho vivido na minha aldeia e quanto em cidades, pois sei de antemão que não tem pés nem cabeça, já que somando-as as estadias na aldeia não farão meia dúzia de anos, enquanto a minha vida de citadino passa das sete décadas.
Todavia, esse aparente entretém tem tudo a ver com o desconcertante sentimento de que que em Amesterdão, onde vivo há sessenta e três anos, sou outra pessoa, sinto e reajo de maneira diferente daquele que sou em Estevais de Mogadouro, aldeia de uma rua e poucas almas. Assim tenho de concluir que, não obstante a realidade de só ter um corpo físico, albergo em mim um outro sujeito que, dependendo se se encontra na cidade ou na aldeia, em ambos os locais reage como um estranho.
Curiosamente, é nesse outro eu aldeão que mais me revejo e reconheço: português de gema, rebelde, exagerado, impaciente, sempre contra.