quarta-feira, maio 1

Bilhetes (14)


Podia ter sido noutra, ocasiões não faltam, mas a desfaçatez do senhor, pesaroso e contrito sacripanta que tempos atrás afirmava no Observador:  ‘A nossa geração falhou’, pôs-me mais avesso do que de costume.
Porque a sua geração, os que têm agora entre sessenta e oitenta anos, sabe-o ele, sabemo-lo todos, na história de Portugal é de longe e fora de dúvida das mais bem sucedidas no assalto à res publica e, para seu único proveito, na ocupação do aparelho do Estado.
Listar os nomes é desnecessário, todos os conhecemos, eles próprios cuidam de chamar a atenção sobre as suas pessoas, a nobreza dos princípios que os movem e o espírito de sacrifício com que se dedicam à governança, certos de que não será para já que iremos mais longe do que lhes apontar o dedo, pois melhor do que ninguém conhecem eles os truques e os engodos que mantêm o rebanho em secular mansidão.
Portugal tem grandes médicos, grandes arquitectos, excelentes engenheiros, empresários e industriais competentes, não lhe faltam artesãos nem gente capaz e dedicada no seu trabalho. Tem banqueiros de boa e má fama, trafulhas  de alto coturno. Não tem grandes artistas, o que é pena mas está longe de ser desonra, como há mais de um século lhe falta um grande escritor – o Nobel não é craveira – e isso revela algo acerca do nível artístico e do desenvolvimento intelectual da sua sociedade.
Mais coisa menos coisa doutros países se pode dizer o mesmo, não fosse o caso de que Portugal se distingue pelo facto raro  de não ter cidadãos, ter apenas clientes, no sentido que na antiga Roma se dava ao vocábulo.