Podia ter sido noutra, ocasiões não faltam, mas a desfaçatez
do senhor, pesaroso e contrito sacripanta que tempos atrás afirmava no Observador: ‘A nossa geração falhou’, pôs-me mais avesso
do que de costume.
Porque a sua geração, os que têm agora entre sessenta e
oitenta anos, sabe-o ele, sabemo-lo todos, na história de Portugal é de longe e
fora de dúvida das mais bem sucedidas no assalto à res publica e, para seu único proveito, na ocupação do aparelho do
Estado.
Listar os nomes é desnecessário, todos os conhecemos, eles
próprios cuidam de chamar a atenção sobre as suas pessoas, a nobreza dos
princípios que os movem e o espírito de sacrifício com que se dedicam à
governança, certos de que não será para já que iremos mais longe do que lhes
apontar o dedo, pois melhor do que ninguém conhecem eles os truques e os engodos
que mantêm o rebanho em secular mansidão.
Portugal tem grandes médicos, grandes arquitectos,
excelentes engenheiros, empresários e industriais competentes, não lhe faltam
artesãos nem gente capaz e dedicada no seu trabalho. Tem banqueiros de boa e má
fama, trafulhas de alto coturno. Não tem
grandes artistas, o que é pena mas está longe de ser desonra, como há mais de
um século lhe falta um grande escritor – o Nobel não é craveira – e isso revela
algo acerca do nível artístico e do desenvolvimento intelectual da sua
sociedade.
Mais coisa menos coisa doutros países se pode dizer o mesmo,
não fosse o caso de que Portugal se distingue pelo facto raro de não ter cidadãos, ter apenas clientes, no
sentido que na antiga Roma se dava ao vocábulo.