terça-feira, fevereiro 12

''My country, right or wrong'


‘My country, right or wrong’

Tanta acusação, tanto insulto, tanta bruteza e ódio, inveja, falta de cabeça. Vistas curtas. Desprezo do semelhante. Tanta ilusão, vaidade, bacoquice. E aparências, sempre as aparências a tapar o desespero.
Oito décadas já fiz e nunca o meu povo vi assim. Até 1974 consegui sonhar, tive esperança. Desde então, a contragosto, tento convencer-me de que o meu pessimismo é miopia. Por que razão acho loucura os pais da Ana - ambos no calçado - esbanjarem vinte mil euros no casamento da rapariga? Terei eu inveja do Audi do Rui? Faz-me ciúmes a alegria da Júlia, que aos fins-de-semana voa Europa fora no sério intento de visitar todas as capitais? Que birra é essa minha de não querer ver?
Contudo, o negrume não pára de crescer. Agora que o edifício lentamente desmorona e ninguém sabe como serão as ruínas, ou se alguma obra se poderá fazer com elas, balanço eu entre sentimentos contraditórios de pena e de raiva, de me querer longe e sentir preso, sempre a esbarrar contra o mesmo muro. Pobreza? Desleixo? Inconsciência? Cobardia? Assim será, mas esta é a minha pátria, esta é a minha gente.
Há dois ou três sujeitos que detesto e se um dia lhes puder pagar em dobrado a pulhice não perderão pela demora, e contudo, mesmo a esses desejo que tenham saúde, não rezarei para que quebrem as pernas. Digo isto para que fique claro que sou homem de paz, nada dado a revoltas e violências, o que não que impede que, sonhando acordado, me veja a conceber estratégias para solucionar a nossa desgraça, o que às vezes me leva a perguntar quantos serão os senhores que detêm o poder em Portugal. Serão seiscentos? Setecentos? Mais do que isso não serão, tenho quase a certeza que aos mil não chegam, e se uma tarde se agrupassem no Terreiro do Paço junto da estátua, com tanto turista que por ali anda nem se daria por eles.
Compare-se agora essa mão-cheia de poderosos com os dez milhões que somos, e a conclusão impõe-se: não se trata de desequilíbrio, mas de um absurdo, nada saudável para eles e para nós de proveito nulo.
Por vias travessas levou-me isso a pensar na batalha de Aljubarrota, quando trinta mil deitaram a fugir diante de sete mil, mas a comparação é trôpega, pois nem nós nos vemos medrosos como os castelhanos, nem os senhores no poder mostram o talento do Condestável.
De modo que a solução terá de vir por outros meios, mas é bom que não demore e eles se dêem conta de que se assim não for só perde quem tem. Nós, os dez milhões, pouco temos para perder.