terça-feira, fevereiro 12

Já nada vos salva


 Já nada vos salva

Das leituras ou de ter vindo assim ao mundo, em miúdo escolhia mais depressa o campo feminino do que o do machismo. Fazia-me espécie a desigualdade, real ou fingida, doía-me a subserviência das mulheres, desnorteavam-me os conflitos em que, mesmo sem razão, o homem saía vencedor.
Criado num ambiente que muito tinha de feudal, julgava meu dever tomar a sério o papel de cavaleiro andante, e assim fiz até que os anos  me levaram a deitar água na fervura, acalmando a minha a visão do negócio das relações. Muito relativa, aliás, essa calma tem-me dado oportunidade para uma espécie de revisão dos meus sentimentos e do que vou observando.
Nos anos cinquenta, chegar a Paris foi um choque cultural. Havia machismo, certamente, mas nos meios que passei a frequentar a desigualdade entre os sexos era excepção, não a regra. Em Amesterdão, nova surpresa: na balança das relações a mulher pesava mais do que o homem. Mostrava-se forte, eficiente, decidida, enquanto ele parecia acomodar-se no papel de segundo violino. Não gostei nem desgostei, estranhei. Aquilo ia demasiado de encontro ao que  tinha sido a minha criação, e foi nessa altura que passei a atentar no que em Portugal havia de mudança. Notei os primeiros sinais uns vinte anos atrás, e desde então surpreende-me a maneira como, quando se espera que sejam eles a decidir, tantos homens parecem intimidados.
Esses fariam melhor em atentar nas mulheres entre os vinte e os quarenta. Eu atento. Atitude, fala, modo de andar, hoje tudo nelas nega a sujeição e os medos do passado, é a tomada de consciência de um poder em marcha imparável, o avanço de uma desigualdade em que nós, homens, ficaremos na mó de baixo.

Um grupo de jovens na esplanada. Terão à volta de vinte anos, olham os telemóveis, raro se encaram ou falam. Um alisa o penteado com ademanes graciosos, as calças doutro descaem de jeito que se lhe veja a cuequinha de marca; um terceiro, ar de hipnotizado e longe do mundo, oscila ao som de uma música que só ele ouve; derreado na cadeira, o que deve ser o mais novo vira e revira os pés, como que fascinado pela sola dos Nikes; cabeleira à Cristo, brinco na orelha, o último masca distraído qualquer coisa que passa duma bochecha para a outra.
Cena corrente, mostra apenas que algo mudou, muito irá mudar, e eles vão perder. Nada adianta alertá-los, porque fariam de surdos, ou talvez me  acusassem de pessimismo. Certo é que quando olho para os rapazes de hoje entristeço e digo para comigo: já nada vos salva.