terça-feira, fevereiro 12

A vitória de Bolsonaro


A vitória de Bolsonaro
É de certo modo curioso que, com sessenta feitos, lhe continuemos a chamar o Joãozinho Albuquerque, mas era assim em miúdo e assim ficou, se bem que tanto no físico como na atitude ele nada tenha de diminutivo, antes o contrário: é grandão, a sua voz desconhece o sussurro, acompanha o que diz com grandes gestos de entusiasmo, e dá daquelas gargalhadas que num café, sala, ou espectáculo, obrigam as pessoas a voltar-se.
Esse, digamos, é o Joãozinho Albuquerque público, ferrabrás de ideias radicais, afirmando que, tivesse ele o poder, em menos dum pronto corria a pontapé com a cambada que desde 74 nos tem desgovernado, e não ficava um para amostra. Não vota, porque nenhum partido o satisfaz, mas estando entre amigos confessa que se os militares, amanhã, resolverem finalmente tomar conta desta república bananeira, será ele o primeiro a aplaudir.
A curiosidade reside em que existe uma outra versão do Joãozinho Albuquerque, a versão doméstica: com um falar mais calmo e defendendo ideias que não embatam de frente com as das filhas e de D. Margarida, sua esposa há três décadas e socialista ferrenha há quase outras tantas. Isso por convicção, mas também pelo acontecimento histórico de num comício na Figueira da Foz, em 1992, o Presidente Mário Soares a ter abraçado e respondido longamente a uma sua pergunta acerca da situação da mulher na sociedade portuguesa em geral, e no PS em particular.
Num ambiente em que a esposa e as três filhas detêm a maioria, e ser ele pouco inclinado a tarefas caseiras, a sua posição sempre foi delicada, obrigando-se a concessões para não pertubar demasiado a paz doméstica. Por má sorte, essa paz, que durante as polémicas do #Metoo já tinha sofrido um abalo ao ser recordada uma velha infidelidade sua, findou bruscamente semanas atrás com a eleição de Bolsonaro.
Entusiasmado com a vitória do candidato da sua simpatia, o Joãozinho Albuquerque foi imprevidente e, esquecendo que estava em casa, não só deu vivas, como anunciou que ia abrir o champanhe. É evidente que para discórdia e azedume bastava, mas com a excitação perdeu mesmo as estribeiras e, indiferente ao sarcasmo da mulher e das filhas, já de costas viradas, foi à cozinha buscar a garrafa ao frigorífico, veio de lá segurando-a como se fosse uma metralhadora e a fingir que disparava rajadas festivas.
Desde então anda mal humorado, garante que este país não tem conserto, e é mau sinal que nas famílias já não se respeite a autoridade do pai, nem a opinião de cada um.