segunda-feira, agosto 14

O que é um postal?

(Clique)

Você escreve cartas? Um ou outro excêntrico talvez ainda use esse meio antigo de comunicação e pegue na caneta ou bata as teclas da máquina de escrever, mas quem se preza desdenha de velharias, acompanha o progresso. Postais? Só mesmo os reformados ainda os mandam à vizinha, como prova de que estão a gozar o sol no Algarve. E a uma adolescente ouvi eu que perguntava à mãe: - O que é um postal?
O fax está nas últimas e o telex pertence aos tempos antigos do telégrafo e da locomotiva a vapor, hoje comunicamos sem parar e sem falha, quase à velocidade da luz. Ele é internet e Twitter, telemóvel, e-mail, SMS,  Facebook,  Instagram, mais umas quantas possibilidades de que oiço falar, mas desconheço. E porque isso nos parece escasso inventamos planetas sociais, perfis, segundas e terceiras vidas, de maneira que, comparado ao virtual, o mundo da realidade se torna monótono e insosso, até no sexo fica a perder.
Porque este em que agora vivemos é um de agitação, nervos e muito gesticular, um mundo onde se conversa ao ritmo de rajadas de metralhadora. Leio que um grupo de cientistas andou a medir o fenómeno, concluindo que nos últimos dez anos a velocidade da fala nos países mais desenvolvidos aumentou vinte e sete porcento. Não será trinta? Talvez trinta e cinco? Pena é que não tenham também medido o riso, pois estou certo de que no mesmo período a quantidade e o volume do riso subiram, hoje falamos de preferência às gargalhadas, imitando a alegria enlatada da televisão. Ruído em vez de sílabas.
Contactamo-nos, febris, através de novas e sofisticadas formas, convencidos de que o progresso, a felicidade e o bem-estar disso dependem. Paradoxalmente, vai aumentando o nosso isolamento, a ameaça da solidão já não se limita aos idosos, ataca também os crentes que dia e noite se agarram ao Facebook, ao Instagram, ansiosos que os vejam, os conheçam, lhes digam que existem, os favoreçam com uma migalha de aplauso. E podemos imaginar-nos ligados ao mundo inteiro, mas para o mundo já não somos indivíduos, apenas avatares a que um clique dá vida e o clique seguinte descarta.

Coincidência. Ocupado a rever esta prosa, recebo um SMS do vizinho do lado anunciando que vai viajar e, como de costume, não aconteça algum percalço, deixará a chave de casa na nossa caixa do correio. Tocar à campainha e dar o recado? Seria simples, mas a comunicação hoje é vício, é febre, parece um ataque que nos dá. Entre o ecrã do telemóvel e vermo-nos cara a cara, escolhemos o primeiro.
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Publicado na DOMINGO CM