segunda-feira, junho 19

Ela, ele, os camelos e o guia

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Agosto de 1999, o século a findar. Havia dinheiro, paz no Oriente, podia-se descobrir o mundo. Os diapositivos eram já passado, o telemóvel uma novidade, a câmara digital o progresso.
Tinham estado no Líbano, no Dubai, na Síria, na Jordânia. Bronzeados. Sorridentes. Contando em uníssono que, tirante o calor, tudo tinha corrido à  perfeição. Ó que gente simpática! Então nos restaurantes, cada pratada, aqueles shish kebab! Comia-se com os dedos. Paisagens maravilhosas, únicas. Vocês conhecem Petra? Não? Um sonho! Ao ver aquilo...
A Nikon último modelo passa de mão em mão. Não carregues nesse, carrega  aqui. Aqui? Não! No outro. Esse é de andar para trás. Vira pra este lado. Agora carrega. Isso mesmo.
Fotos do aeroporto. Fotos de nuvens. Do interior do avião. Das hospedeiras. Uma rua de Damasco vista do táxi. Parece que em árabe se diz Dimashq. Umas vezes dizíamos Damasco, ou então Damascus, mas deu sempre certo.
Ela, avantajada, decotada e de calções, defronte de uma loja de tapetes e outra de narguilés. Ele, corpulento e de calções, numa esplanada, os joelhos em primeiro plano. O hotel. O porteiro, de cartola, galões e alamares. O hall do hotel. O quarto do hotel. A paisagem vista do quarto do hotel.
Cenas idênticas em Beirute. Tudo tão moderno! A gente não esperava. Julgávamos… Ele a acenar num camelo. Ela escarranchada num jerico. Ele em Petra. Ela em Petra. Ele diante de um edifício escavado na rocha. Ela diante do mesmo. Eles fotografados pelo guia a apontar para uma ruína. Eles fotografados pelo guia com um casal alemão. Retrato do guia. Velhote simpático. Disse que ia fazer setenta, mas era capaz de ter mais. A pobreza é muita, as pessoas trabalham enquanto podem. Achámos graça que há lá lojas com o nome de Indiana Jones! Souvenirs e até sandes Indiana Jones. Este era o chofer do autocarro. Sempre azedo e ainda por cima mal educado. Estátuas. Uma caverna. Outro autocarro. Uma charrete. Engraçado, não é, vocês estão a ver o burro enfeitado? Camelos. Polícias. Mais autocarros. Um grupo de turistas. Camelos com turistas. Taxistas a fumar. Ruínas. Rochas. Mais camelos. Uma barraca de fruta. Mais uma. Quatro mulheres de burka. Tenho a certeza que não trazem nada por baixo, porque aquilo é um calor! Vocês nem imaginam. Uma garota pedindo esmola. Ela dizia bakshish, bakshish, e o guia explicou. Alguém  adivinha quanto custa lá uma garrafa de água? Dois dólares e meio! Na moeda deles ainda é mais caro. Empancou? Tens de mudar o cartão.
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Publicado na DOMINGO CM