quarta-feira, agosto 31

Voar alto

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Alguém conhecerá a receita para conciliar o desejo de contacto com a quase certeza de que a troca de ideias acaba em banalidade e a conversa inteligente descamba para o mexerico?
É ou não espantoso o tempo que se gasta a fingir interesse, abanando a cabeça em concordância, enquanto no íntimo aumenta o esforço de conter o bocejo?
Conheço de sobra quanto fatiga o discurso dos que insistem em explicar a política ou a economia, sabem em excesso de física quântica, ou se exaltam a explicar as performances de Marina Abramovic. Mas porque será que esses que tanto sabem não se compadecem dos incapazes de voos assim altos?

sexta-feira, agosto 26

Geert Wilders - promessas

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A Holanda acordou hoje assustada, e talvez intimamente dividida entre a crença e a descrença: Geert Wilders apresentou o programa do seu Partij voor Vrijheid (Partido para a Liberdade) para as próximas eleições. Tem por título: "A Holanda de novo nossa" e cabe numa folha A4. A tradução é livre, o original pode ser consultado aqui:

1    1. "Desislamizar" a Holanda.
           Nem um só refugiado mais ou imigrantes de países islâmicos: fronteiras fechadas.
     Retirar as licenças de permanência concedidas aos refugiados por um certo período.     
 Encerramento de todos os centros de acolhimento de refugiados.
     Proibir o lenço de cabeça durante o desempenho de funções públicas.
     Proibição das restantes manifestações de islamismo que sejam contrárias à ordem pública.
     Detenção preventiva de islamitas radicais.
     Perda de nacionalidade e expulsão de criminosos com dupla nacionalidade.
     Proibir o retorno à Holanda dos (cidadãos) que foram lutar na Síria.
     Encerrar todas as mesquitas e escolas islamitas, e proibir o Corão.
       2.  Tornar a Holanda de novo independente. Portanto, fora da UE.
       3.  Democracia directa: introdução de referendos vinculantes, dando o poder aos cidadãos.
       4.  Eliminação total do forfait nos seguros de doença.
       5.  Diminuição dos aluguéis.
       6.  Reforma aos 65 anos, mas com indexação da reforma complementar.                                

       7.  Terminar o apoio aos países do Terceiro Mundo; terminar os subsídios à                           

            energia eólica, às artes, à inovações, às emissoras, etc.
       8.  Pôr fim às reduções de custos nos cuidados domésticos, na assistência

            aos idosos, mais pessoal nos hospitais.
       9.  Grande aumento dos fundos para a Defesa e a Polícia.
      10.  Diminuição do imposto sobre o rendimento.
       11. Corte para metade do imposto sobre veículos motorizados.                     

quinta-feira, agosto 25

Bonzinho

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Escreveu-me uma leitora a queixar-se de serem os personagens dos meus livros gente azeda, bruta, violenta, espelhando uma humanidade em que não se adivinha carinho, um sentimento bom, uma réstia de amor ao próximo, uma ponta de esperança.

Provavelmente assim será – tudo depende da cabecinha de cada um – mas tenho eu, tem o escritor, a obrigação de agradar a quem o lê? Deve, pode, quer ele, antes de meter mãos à obra, fazer um gráfico de passáveis bondades e gentilezas, beijinhos generosamente dispensados ao longo das páginas, ternuras, fins de tarde como só há nas Bahamas?

Respondo pela negativa e por mim falo: não tenho obrigação de agradar, nem me passaria pela cabeça deixar de escrever como sinto ou quero para que me achem bonzinho.

A senhora terá de ir bater a outra porta.

quarta-feira, agosto 24

Errar nas apostas

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Nada adianta querer disfarçar, esconder, nem a inveja precisa de vir com mau modo e cara trombuda. As mais vezes chega serena, delicada na aparência, mal se daria por ela não fosse o pequenino trejeito, a suposta omissão, a fingida desculpa, o cumprimento que os obriga a arrastar a fala, porque eles próprios mais que se dão conta do cinismo em que a embrulham.
Há quem a tenha como prato forte, à maneira do cozido, e depois se pergunte de donde lhe vem a azedia, a raiva impotente de não compreender porque acontece aos outros e não a ele, que tem mais capacidade e outro merecimento.
O invejoso vive na certeza de que Deus escreve torto por linhas tortas, daí a benesse alheia e a má sorte que lhe cabe. Mas assim não é, direitas ou tortas Deus escreve por todas as linhas. O que dói ao invejoso é errar sempre nas apostas.

segunda-feira, agosto 22

Um copo de urina em jejum

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Que bicho morderá alguns, para que neles seja tão forte o espírito missionário?
Sermoneia este que devo manter abertas as janelas, de modo a que com a corrente de ar a energia do chi arraste para longe as forças negativas. Quer outro convencer-me a que o faça em casa, por ser mais seguro, mas todos os dias, durante um quarto de hora, me obrigue a andar às arrecuas. Garante ele que o fazem na Lapónia e é excelente treino para o equilíbrio mental e físico.
Um terceiro, igualmente bem intencionado, há anos que em jejum bebe um copo da própria urina, e aconselha-me a que lhe siga o exemplo, pois é a maneira de restabelecer o equilíbrio dos minerais no corpo, aumentar a resistência às infecções, garantir a elasticidade da pele, evitar o Alzheimer.
Os vizinhos, que desde há pouco são jeovás, vieram ontem oferecer-se para me consolarem com as palavras do Senhor.
A todos agradeço, mas andaria mais bem humorado se me deixassem com os meus medos, os meus achaques, o desequilíbrio dos minerais, a pedra na bexiga, e na ignorância do que o Todo Poderoso sussurra aos eleitos.
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Publicado no CM