terça-feira, maio 12

Começo do Verão

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Aqui na aldeia, por volta das seis da manhã vem com o ar um cheiro forte de resina de esteva, pinho, giesta, à mistura com o sem-número de ervas, musgos, plantas e árvores que cobrem as ladeiras, ou se escondem na estreitura por onde correm fios de água que só no Inverno são riachos. Logo depois junta-se-lhe o do fumo acre das lareiras que se acendem.
Há quase uma semana anda o tempo soalheiro, e porque assim continuará saem os anciãos a procurar o quente, fica a rua menos desolada, atenta-se melhor no chilreio da passarada, na pressa das andorinhas que fazem ninho nos beirais onde lhe garantem paz e sossego.
Arranja-se tempo para dois dedos de conversa, trocam-se novidades, fala-se num sussurro deste caso e daquele, de uma vergonha e doutra, do enterro de ontem, de doenças, de médicos, do que engancharam em Meirinhos e não vai escapar ao castigo que merece.
Come-se bem, na casa do povo, a que umas vezes se chama a associação, ou a casa dos rapazes, onde agora há um convívio que o tempo frio impede.E na ruína do que foi o casarão dos meus trisavós, os donos puseram um sólido portão de ferro para que, segundo corre, não vá algum desalmado vasculhar e descobrir o tesouro que desde o tempo de Napoleão lá enterraram.
O longe de antigamente mudou-se num perto, passa um carro, passa um tractor, aqui e ali ouve-se a televisão, mas nas pessoas como nas casas, nos casebres, nos palheiros abandonados, nos lagares que já não servem, sente-se algo de continuidade, espírito de permanência, um misterioso fio que, parentes ou vizinhos, a todos une.