sexta-feira, abril 24

Os amanhãs não cantam

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O estudo e a experiência demonstram que nunca as revoluções são o que parecem, nem acontecem como as contam. Mesmo depois de por elas terem passados séculos surgem novas versões dos motivos, apresentam os heróis outras faces, por vezes defendendo na realidade o contrário do que apregoam.
Recordo com ternura o meu entusiasmo infantil pela revolta do Primeiro de Dezembro e de como, adolescente, vivi as esperanças da Revolução Francesa, as vitórias de Bonaparte. Escondendo as lágrimas também algumas vezes cantei A Internacional, mas não tardou a que a curiosidade de saber, o estudo, e os olhos bem abertos, fossem gradualmente desgastando o meu entusiasmo e as minhas crenças.
A Segunda Guerra Mundial, que acabaria com todas as guerras, gerou uma atrás da outra; o paraíso soviético não era o que parecia, como os Estados Unidos também não correspondiam à história da carochinha do país grande defensor da liberdade; Cuba não se tornara num paraíso, o Chile de Allende resultou num Pinochet, os generais tomaram conta do Brasil e da Argentina.
Por essa altura tinha eu devotado cerca de dez anos ao estudo da história de Portugal, do Estado Novo, da sociedade portuguesa e, sobretudo, aos acontecimentos e aos personagens que compunham o que se chamava a Oposição.
Resultou daí que se o 25 de Abril me alegrou, em momento nenhum senti entusiasmo, tão-pouco me surpreendeu que a partir da mudança a sociedade e a política passassem a funcionar e a desenvolver-se de maneira para mim previsível. Como também não me surpreende que mesmo agora poucos partilhem o meu desencanto ou a pouca vontade de comemorar.
Reais ou imaginados, uma revolução tem necessidade de episódios dramáticos, heróis,  pais da pátria, e durante décadas, por vezes séculos, tudo isso se festeja com discursos, paradas, estátuas, sessões solenes. Até que a febre diminui e o tempo passa, a visão clareia, os historiadores mostram coragem de pesquisar e escrever como verdadeiramente foi, e por que razões aconteceu.
Mas creio bem que, acerca da Revolução dos Cravos, quando esse dia chegar já nenhum de nós cá estará, talvez até nem aqueles que acabam de nascer.