sábado, julho 19

Um retrato


É um raivoso daqueles que os ataques de raiva tornam cómicos, porque então de facto rebola os olhos, espuma da boca, todo ele estremece como se sofresse da dança-de-são- vito.
A mola forte da sua raiva é a inveja. Inveja do talento alheio, do sucesso que queria ter e não alcança, o reconhecimento dado a este e aqueloutro e que esperava seu.
Tem por meta o proveito, e tão fanático se torna a querer alcançá-lo de qualquer maneira que não poupa o esforço, a ponto de, fisicamente, ganhar o aspecto dos  rafeiros que, exaustos e sequiosos, vão pela berma dos caminhos.
Para um qualquer em seu juízo bastaria o talento que Deus lhe deu, mas a ele não contenta: quer esse, mais o do vizinho, e também o que o Altíssimo, por distracção, esbanjou nos figurões que lhe fazem concorrência, os mesmos que, sem parar, recebem prémios, benesses e louvores.
Consegue o milagre de contrair os maxilares quando fala, resultando daí que as palavras que articula parecem voluntariamente sibiladas, como para melhor condizerem com o chispar dos olhos.
Lá dentro, lá no fundo, deve ter também boas qualidades, por certo conhece momentos de devoção e altruísmo. Infelizmente, só se vê dele o que não consegue esconder.