segunda-feira, setembro 23

Ostende


Como se finalmente desse conta de si, parou junto de um S.O.S da E40, recordando o instante em que deixara o prédio da Avenue Louise, a porta de ferro trabalhado a fechar-se lentamente. Revê o momento em que ela, abrindo a gaveta da secretária, assina o cheque e lhe entrega as chaves do carro, acrescentando que pode ficar com ele, os documentos estam no porta-luvas.
Os guarda-costas, indiferentes, imóveis nos cadeirões junto da parede, olhos presos na imitação de lume a bruxulear na lareira eléctrica.
- Se concordas, resolve-se assim – tinha ela dito, hesitante, como se esperasse a negativa.
Sem responder, mal a encarando, agarrou as chaves, meteu o cheque no bolso,  caminhou para a porta, tenso, sabendo-se liquidado.
Desceu a avenida, virou para a Place de Brouckère, seguiu o túnel, depois a Rue de l'Égalité, e num impulso, vendo um painel da E 40, metera para Ostende.
Deu conta do perfume quando travou brusco, sem se perguntar o que o levava a parar.
Seis anos antes. A mesma sala. Certa de impor ao novato a sua vontade.
- Morde.
E ele obedece, aceita, será carrasco e escravo, a sua existência um anúncio de perdição, o abismo cada vez mais negro, cada vez mais fundo. Algoz a brincar, escravo a sério.
Os gendarmes param as motas junto do S.O.S. Não, não aconteceu nada, parou porque quer telefonar. Acena, vê-os seguir.
O perfume é tão intenso como se, o que ela gostava de fazer, estivesse ali nua, deitada no banco traseiro.
Na autoestrada conduz em transe, atravessa a cidade atentando apenas nos semáforos. De súbito vira para o porto, sem saber que mão o guia para o molhe dos contentores.
Os seguranças ouvem o motor, descrentes de ver que o carro atira com a barreira e, acelerando, desaparece no mar.