quarta-feira, maio 9

Janela para a Amazónia

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O recanto que anexei, e onde me agrada escrever, é a divisão em parte subterrânea onde antigamente ficava a adega. Tenho à minha volta os armários que foram da loiça, a cantareira, o velho escano. A cama da minha adolescência faz de sofá e nos dias de canícula convida à sesta.
Visita que aqui chegue nada sente, mas, mau grado o arranjo, para mim tem o cheiro a vinho e salmoura, vejo trigo por uma frincha da tulha, alqueires de madeira, aranhões, presuntos a secar nas traves, panelas ferrugentas, sachos, cordas, cajados, varas da azeitona, almotolias, cântaros de folha.
Os ruídos no andar de cima chegam abafados, indistintos, mas por vezes transforma-os a memória e oiço vozes da infância, aqui ao lado o estropear das mulas no chão da estrebaria, o barulho que fazem a roer centeio.
Como agora, já então nascia erva ao rés da janela gradeada, eu nos dias de chuva imaginava ali Amazónias com piranhas e onças, crocodilos, macacos, aves de rapina, plantas de nada cresciam à altura de palmeiras. Mas quando assim me deixava embalar, vinha sempre alguém puxar-me pelo braço, "Sai daí, que te molhas!", e eu afastava-me, tristonho, olhando para trás, magoado da indiferença com que faziam desaparecer o meu sonho.