sábado, abril 7

O terceiro acto

De pequenina tem aquela paixão do teatral, e a mímica, a entoação, os gestos, tudo nela é de quem vive num palco. Explica muitas vezes, com talento, a razão de não ter filhos. Ergue-se de súbito, aponta o baixo-ventre, descreve com dois dedos um círculo, dando a impressão de que segura um bisturi, e exclama com drama:
- Arrancaram-me tudo!
Não só eu, di-lo também a expressão dos outros presentes, vemo-nos de súbito no bloco operatório, o corpo na mesa, o sangue a jorrar, os cirurgiões muito concentrados, aquela aparelhagem toda, as lâmpadas. Depois, aos cicios e passadinhas, seguimo-la na maca pelos corredores, entramos no quarto, assistimos aos cuidados das enfermeiras.
Representa muito bem a visita dos médicos na manhã seguinte, o professor falando de sinartrose e pericárdio, uteremia, palavras que nada lhe dizem, nem a nós, mas que decorou por achá-las interessantes.
Senta-se então lentamente, suspirando, mas logo volta a erguer-se, pronta para o terceiro acto, a representação da impotência do Alberto, da sua sovinice, a discórdia e o divórcio.
Essa é a parte de que gostamos menos - o falecido era bom homem - e então há sempre alguém que diz que se faz tarde, vão sendo horas da deita.