quarta-feira, abril 11

No palco

Falas de cinema e de rock, de viagens, museus, daquele recanto em Barcelona . Creio que por cortesia, ou fingindo interesse, falas também de livros, dos livros que queres ler, porque o tempo é escasso, as solicitações muitas. E voltas a falar de filmes e actores, de como te surpreendeu o Guggenheim em Bilbao, a maravilha que é deixar Istambul ao cair da noite, atravessar o Mar Negro, ver o romper do sol em Odessa.
Oiço atento, sorrio. Na tua idade é de esperar esse entusiasmo. Oiço-te e tenho o bom senso de não retribuir. Nada de comparações ou saudades tontas. Não te falo das minhas memórias, das viagens num tempo distante, em paisagens agora mortas. Dos mares que atravessei, dos medos que se sofrem nas borrascas, as piores, as que não são do vento, mas da alma e da dor de existir.
Aceno, mostro interesse. Transporto-me por segundos aos lugares que descreves, maravilho-me contigo. A espaços, porém, a atenção descola. Pergunto-me porque razão falarás tanto de aventuras, viagens, cinema, música, mas do que no íntimo pensas e sentes nada contas. Não que eu espere confidências, mas uma conversa de apenas entusiasmos, maravilhas, surpresas,  excitações, tem muito de cortina de fumo ou décor teatral. É cavaqueira, não é conversação.
Se por acaso leres isto não te vejas obrigado - obrigada? – a outro comportamento, mas talvez reconheças que o palco é menos interessante que a realidade escondida nos bastidores.