terça-feira, maio 31

Feira do Livro do Porto

Top 10 da Porto Editora ao fim da primeira semana da FdL do Porto:

1. Porto - Histórias e Memórias, Germano Silva

2. La Coca, José Rentes de Carvalho

3. Livro, José Luís Peixoto

4. A Mentira Sagrada, Luís Miguel Rocha

5. A Cabana, W. M. Paul Young

6. Ernestina, José Rentes de Carvalho

7. Dicionário Académico da Língua Portuguesa

8. Cães Danados, Robert Muchamore

9. Almanaque Bertrand 71 - 2011-2

10. O Símbolo Perdido, Dan Brown 

Espero que nem o José Luís Peixoto levará a mal, pois sou o passado, ele é o futuro.


segunda-feira, maio 30

Partida do Porto

Daqui a nada repete-se um choque dos meus quinze anos, o qual, desde então, me enche de melancolia: vou sair do Porto.
De nada adianta dizer-me que que tudo mudou, que a minha adolescência desapareceu há quase um século, se hoje mesmo me der vontade de retornar nada mo impedirá. O que todavia conta, e não consigo eliminar, é a impressão do instante em que irremediavelmente me despedia de Gaia, onde nasci, e do Porto, onde descobrira as alegrias de começar a aprender o mundo.
Sentado na cabine de um barulhento camião a gasogéneo, ia sombrio, impedindo-me de olhar para trás, indiferente à paisagem que se desenrolava. Mais que uma sensação de perda ou mudança, tudo parecia um prenúncio de nuvens sombrias, as que precedem a tempestade e carregam consigo o mistério daquilo que, por desconhecido, aterroriza. 
E assim me sinto agora, sem as razões de então, mas ainda fascinado pelo mistério de um sentimento que permanece estranhamente duradouro.

domingo, maio 29

Laço

Porque sempre tive certa timidez no contacto com quem me lê, grande é a minha admiração por aqueles escritores que, como se tivessem essa propriedade de nascença, pronto estabelecem com quem os visita nas feiras um elo de simpatia e cumplicidade.
Nos últimos tempos tenho, se assim se pode dizer, estudado um que nessa arte é mestre. Nunca o sorriso o abandona, a atenção que dá não poderia parecer mais genuína, os abraços e beijos são de constante entusiasmo.
Aos que o procuram oferta ele algo provavelmente mais valioso que o conteúdo das suas obras: minutos de calor humano e, verdadeiro ou falso não importa, o sentimento de que a simpatia entre ambos se eleva a uma  íntima cumplicidade.
É fácil desdenhar e talvez, como alguns supõem, haja ali uma refinada estratégia de marketing. Que importa, se assim for? Aumenta ele as vendas, retornam os leitores a casa com a mais-valia de terem estabelecido com aquele que admiram um laço espiritualmente benéfico, talvez até mais querido e duradouro que o impacto da sua leitura.

sábado, maio 28

A revelação do corpo


A experiência já umas quantas vezes me avisou, mas que isto de burro velho não toma andadura é mesmo verdade.
Assim ontem, com dois colegas e uma simpática moderadora, numa falação na Feira do Livro do Porto, descobri, para meu mal e alguma vergonha, que há um idioma que desconheço, a saber: aquele com que o escritor se exprime e comunica ao público a essência dos seus sentimentos, experiências e vivências.
A páginas tantas senti-me como um vagão que descarrila, atrapalhei-me, tropecei, descobri  ter perdido a sintonia e, numa tentativa tosca de recuperar o equilíbrio, pus-me a discorrer sobre o que nesse momento me baralhava, mas só de longe, e pouco, tinha a ver com a discussão em curso ou as afirmações dos colegas, muito mais jovens do que eu, mas possuidores dessa capacidade que me falta.
Durante o jantar referiu alguém as palavras ouvidas a uma intelectual que, já passada dos quarenta, “tinha recebido a revelação do corpo”.
De modo que, em vez de dormir sossegado, sofri duradoura insónia, tentando em vão compreender o que me faz assim, impede de funcionar como o meu semelhante, e torna invejoso de quem diz tão belas coisas.

quinta-feira, maio 26

Feirante


Uma ponta de reputação, logo são obrigações para isto e aquilo, vai a gente descartando-se como pode, nem sempre com boa cara, de vez em quando de sorriso amarelo e a perguntar-se como foi possível cair na ratoeira.
Razões de verdadeira queixa não vejo, tenho até vivido momentos agradáveis, mas há limites, estou certo que nunca me acontecerá o que um dia presenciei numa Buchmesse -  a Feira do Livro de Frankfurt: escritores a desfilar numa passerelle, como se fossem manequins ou putas a fazer sala num bordel.
Enfim, cada um lá sabe, o meu limite é que de amanhã até domingo à tarde serei feirante, andarei pela Feira do Livro do Porto a vender o meu peixe. Hoje, porém, vendo o peixe alheio.
Um dia de Abril passado, o jovem e desconhecido colega veio direito a mim na LeV, em Matosinhos, disse que vivia em Amsterdam,  passados dois dedos de conversa anunciou que me iria mandar um seu romance.
Lá me vi eu uma vez mais na clássica aflição e a prometer que leria, sabendo que muitos mais anos de vida seriam precisos para ler, agradecer e comentar os livros que os jovens escritores tão gentilmente me oferecem.
Chegou o volume. Torci o nariz à capa. O título – Mizé – antes galdéria do que normal e remediada -  pareceu-me forçado. Desconfiei das críticas na badana – "O melhor romance de 2009". Para desobrigar a consciência comecei a ler momentos depois e continuei essa noite.
Daí em diante fui caindo de surpresa em elogio. Romance de verdadeira originalidade. Excelentes diálogos. Bom comando da língua, enredos inesperados mas convincentes de naturalidade, personagens miseráveis no carácter e no modo, tão bem desenhados que dão ideia de que os conhecemos de qualquer parte.
Assim, antes de amanhã começar a vender o meu , aconselho a quem gosta de ler, e aprecia "peixe" de qualidade, que aproveite a Feira e compre o excelente romance de Ricardo Adolfo.
Não me parece homem para malabarismos, modernismos e piruetas literárias, ou sacrificando à moda do momento. Se continuar como começou, vai longe.


quarta-feira, maio 25

Obrigadinho


Desconheço se algum sociólogo estudou o curioso fenómeno da dificuldade que os portugueses em geral sentem com agradecer.
Generosidade, hospitalidade, favores, cortesia, bons conselhos, uns esquecem, estes acham que recebem aquilo de direito, outros crêem que só um dependente ou subalterno se mostra grato.
Uns são tolos ou mal educados, os restantes involuntariamente exibem a insegurança que se associa com os que não têm e fingem, e os que não são mas tentam parecer.
Que o português nem a Deus sabe agradecer, também é facto. Transacciona à merceeiro: se o resultado o satisfaz paga em contado e velas, ou arrasta-se de joelhos, que além de grátis impressiona mais.
A sua especialidade, se assim se pode dizer, é o "obrigadinho".  O "obrigadinho" que simultaneamente minimiza a oferta ou o favor, e dá aquele ar de importância que os parolos e os simples de espírito tomam por genuína superioridade.
Há aí, pois, para as famílias, as escolas e os senhores políticos, trabalho missionário a fazer. É urgente informar o português de que lhe mentiram e consideraram papalvo quando disseram que Abril o tornaria um homem livre, íamos ser todos iguais, em público e em privado nada havia a agradecer, daí em diante tudo seriam direitos.
A verdade é que em sociedade ninguém é livre e os deveres ultrapassam os direitos. Fora isso, esta nossa infeliz nação é uma de repelentes desigualdades. Mas agradecer não rebaixa, bem ao contrário: fá-lo sem dificuldade quem se sente senhor de si e respeita os outros.

terça-feira, maio 24

Velho


Como nem todas as vidas são excitantes ou excepcionais, o risco de monotonia é grande, o que faz com que, para de algum modo nos defendermos, criemos hábitos e rotinas, se bem que não haja provas para a eficácia do método. E assim lá nos vamos arrastando, a dar os bons-dias, a dizer sim senhor, muito bem, o tempo sempre está melhor do que ontem, o padeiro não deve tardar...
Entre quatro paredes e as duas serras que são o meu horizonte, se tiro um almoço ali, uma saída acolá, a minha é uma existência de ramerrão, repetições que assustam, ideias  bizarras sobre a passagem do tempo, uma arreigada desconfiança das mudanças.
Felizmente não sou único, sinto-me apoiado quando um parceiro com os mesmos tiques começa queixar-se da monotonia, das pressas do mundo, ou a garantir que as frescas raparigas de hoje são os bebés do mês passado.
Retratado nele, meu semelhante, em vão pergunto onde se esconde o entusiasmo de antigamente. Quem é o estranho que me habita, e de certo modo agrilhoa a um viver parado? Que adianta envelhecer?

segunda-feira, maio 23

Sombra maldosa


Essa inveja que lhe amargura os dias, essa raiva de fraco, a sua impotência de ser e fazer, o modo tolo, pretensioso  - ao longo do dia será difícil pôr-lhe freio, mas de manhã, ao olhar-se ao espelho, não poderia você conseguir pelo menos um minuto de calma e dizer-se: não preciso ser tão pulha, tão venenoso, isto dá cabo de mim.
Era um começo, poupava-se e evitava ao mundo o espectáculo que dá, esse azedume por tudo, das ervas do quintal aos mandarins da política, dos tiques da sua cunhada aos chapéus da rainha da Inglaterra.
E depois, aqui entre nós, que sabe do mundo? Tem bagagem que lhe permita, mesmo ao de leve, seguir os cérebros que realmente contam e mudam as nossas vidas?
Você, caramba, nem de futebol sabe! E sobre aquela pretensão de que é homem lido, estamos conversados: ouvi-lo falar de livros é debruçar-se a gente sobre o abismo da ignorância.
Fora a inveja, a raiva, a impotência e o modo tolo, nada em si é genuíno, ouro de lei, a ponto  que às vezes me pergunto se será pessoa ou apenas uma sombra maldosa.

sábado, maio 21

História de amor


Duas mulheres. Duas desconhecidas. Ambas a rondar os quarenta, ambas mães de filhos. O pouco que mostram nos seus escritos e o que neles sugerem, aumenta-o a lupa da minha fantasia.
Imagino-lhes vivências, sonhos, os desejos e as raivas, o que deixaram pelo caminho, o que não tiveram a felicidade de encontrar. Moldo-as à perfeição – a minha perfeição – em torno da inteligência que demonstram e dos momentos sensíveis que ambas tão bem descrevem, aqueles pequeninos detalhes que são a fresta por onde se espreita um mundo, o seu mundo.
Se alguma vez o tiveram, o sentiram, viveram, ambas parecem ter perdido o amor, foram decepcionadas por ele, ou talvez tenham posto a craveira na altura irreal que só os vinte anos e os romances garantem.
Ressudam fúria contida, emoções controladas, aquele domínio das aparências de que só são capazes as grandes senhoras que deixaram para trás a febre da juventude, e se equilibram agora no fio de navalha que precede a meia idade. Temendo o horizonte, mas ainda com esperança de momentos felizes, embora fugazes. Sim, fugazes, sempre fugazes. A experiência ensinou-lhes, pagaram caro em melancolia e dor, que os grandes clarões de paixão são fugidios, o prazer único, irrepetível.
Penso nelas e, com frequência que preocupa, a voz segreda-me que merecem um romance, uma história de amor. Não coisa escrita em letras e palavras, mas história de verdade, daquelas que realmente acontecem e, de tão belas, parecem filme. A ambas de todo o coração lho desejo.