terça-feira, junho 29

Pois ganharam

Pois ganharam. Mesmo eu, que não entendo, pude ver que foram melhores.

Ai se eles ganham!


Também a mim acontece falar de coisas que não sei, ter uma ou outra opinião de que depois me envergonho ou arrependo, mas em geral acautelo-me. Assim, com esta excepção, nunca me meti a escrever sobre futebol, pois é desporto que, se eventualmente me diverte, não desperta as paixões que nos outros invejo.

Por dever social, como ontem no Holanda-Eslováquia, assisto porque a família assiste, mas não consigo partilhar o entusiasmo. Acompanho na cerveja, e enquanto os outros olham fascinados, sugerem, dão palpites, a minha atenção vai para coisas que pouco têm a ver com o jogo. O que me diverte mesmo são, por exemplo, as caretas, sobretudo as dos treinadores e dos seus assistentes, o gesticular, aquelas ordens e sugestões que berram, dando-se a ilusão de que, a meio campo, ou lá longe na baliza, os rapazes os ouvem ou atentam. É teatro.

Mais logo, porém, no Portugal-Espanha, temo que vai ser diferente. Sei que mesmo antes do primeiro apito vou recordar o espírito de D. Afonso Henriques, Aljubarrota, 1640, e não respondo por mim. Ai se eles se atrevem a ganhar!

domingo, junho 27

Felicidades


Andamos assustados com a felicidade. Com as histórias da felicidade alheia. Cantor, cantador, actriz, político, banqueiro, puta de luxo, o espanhol que não foi apanhado pelo TGV, o jornalista no Mundial, o vizinho que comprou casa, aqueles sujeitos que acompanham o PM nas inaugurações e vão de gravata se ele vai de gravata, que a tiram quando ele a tira. Os Figos, os Ronaldos, os Loureiros, os Mexias...

Bem importa a ignorância de uns e a ganância de todos! A vida é curta, aquilo é que é gozo e felicidade. A nós, o que vem é às migalhas ou em notas de dez, de longe a longe a terminação no Euromilhões, a promessa de aumento para o ano, o resultado favorável das análises ao sangue e à urina.”


Ao ler fiquei preocupado, julgando que você tinha escrito isto. Ainda bem que discorda.

sábado, junho 26

Riqueza de léxico

Recomendam-nos um romance – holandês, este – acrescentando que é urgente a leitura, pois prosa assim não abunda em literatura nenhuma.
Satisfaz-se o pedido e vai-se caindo de surpresa em irritação, depois de umas tantas páginas lê-se em diagonal, de seguida aos saltos, pára-se a menos de meio do volume, refreando pragas.
Durante a ressaca a memória dá uma apitadela. Correm-se as estantes, tira-se de lá este, aquele, mais um, depois de muita busca a satisfação da descoberta. Está em Cartas Inéditas de Fradique Mendes, onde o senhor Eça de Queiroz escreve com elegante ironia sobre o uso da simplicidade.

(Clique para ler)

quinta-feira, junho 24

Virgindades


Tinha dezanove quando começou, trinta e dois quando se deu conta que aquilo não podia durar, um namoro de mãos dadas, passeios ao domingo, beijos na face, os pais de ambos a fiscalizar, calculando as posses, falando de netos, o rapaz nada interessado em assuntos de fornicação e procriação. Cortou de vez. E porque é bonita, inteligente, despachada, com simpatia que baste, em poucas semanas tinha um no anzol.

Foi isso meses atrás. Agora, com a inocência de quem durante demasiado tempo foi virgem, quer que se lhe explique porque razão o sexo não é como sonhara, nem como apregoam. Zanga-se ao ouvir que, tirante milagrosos momentos, em geral o sexo não é coisa de dois, sim de um mais um, cada parceiro com a sua solidão, sensível a odores, sussurros, palavras, pensamentos, memórias, perguntando-se se está a fingir, se o outro finge, penosamente desfiando a lista dos porquês, seus e alheios.

Desagrada-lhe a crueza. Diz que não pode ser, é maldade, ninguém tem o direito de negar o poder da esperança e do sonho.

Assim seja. Esqueceu o que tinha perguntado, não quer resposta, dispensa a paráfrase de Raymond Carver: de que falamos nós quando falamos de amor e de sexo?

terça-feira, junho 22

Menos copos

Bem iria se fosse apenas o cansaço de quase três dias de estrada, duas noites de hotel e desagradáveis almoços. Vai a gente a atentar e é bombardeamento a sério: mexericos de política e sobre política; a portagem dos SCUT; o Mundial com aqueles relâmpagos da FIFA; Saramago vivo, morto, enterrado, quem lá foi, quem lá esteve, os que dizem mal e os do incenso. Um nunca acabar de notícias sobre tudo e todos, opiniões,, informações, questões, novidades que o não são, falsas urgências, importâncias de pechisbeque.

Em tempos distantes podíamos fugir, mas hoje de pouco adianta estarmos na aldeia ou na metrópole, o mundo obriga-nos a rodar na sarabanda das suas voltas. Com a agravante de que basta um nada para nos sentirmos excluídos, e para evitá-lo corremos então mais do que podem as pernas.

Daí que ando a pensar em pôr termo a este blogue. Não de maneira repentina, pois são três anos e meio de vício, mas diminuindo gradualmente os "copos".