segunda-feira, outubro 18

Desigualdade

Somos todos iguais? Parece que dizem isso e que há quem o contradiga. Certo é que não nos criamos comendo todos na mesma manjedoura e bebendo a água do mesmo poço. Há depois as diferenças da cabecinha, do dinheiro, do bater do coração, dos cheiros que entram pelo nariz, dos ruídos da fala, das vibrações.
Ocorre-me isto ao pensar no ferrabrás que a meio da tarde de ontem, ainda pesado do almoço e cheirando a aguardente, inquiriu cortês da minha saúde e disposição, entrou de seguida a explicar que só tinha a quarta classe de antigamente mas corrido muito mundo e tratado com gente de peso. Fora isso dera-lhe Deus Nosso Senhor mais que o entendimento preciso para acompanhar o que acontece cá, no estrangeiro e na política.
Sorri, acenei que sim. Baixou ele os óculos de sol que trazia à moderna na cabeleira, diminuiu o passo que nos separava, só não me tocou com o dedo porque deve ter traduzido bem a expressão do meu rosto. Perguntou então se sabia eu que somos todos iguais, e lá por ter escrito dois ou três livros não fosse julgar…
O compincha baixou a janela do jipe e perguntou-lhe se ia ou ficava. Sorriu e fez um aceno, virou as costas, deixando-me com a melancólica certeza da nossa desigualdade.