segunda-feira, janeiro 11

Utilitarismo, mecanicismo


É a filha mais nova, diz ele, a que estuda – aqui faz uma careta de desagrado - uma matéria nova de que nem recorda bem o nome, técnicas de comunicação, coisa assim. Mas de momento não é isso que interessa. Ele veio para partilhar­ o seu pasmo, curioso de saber se eu já tinha lido sobre o assunto ou ouvido falar.

De facto, também para mim foi surpresa, mas não achei chocante, antes sinal de uma modernidade que constantemente abala as certezas que tinha quem, criado como nós ambos na pré-história, se vê desamparado e de mãos vazias.

Durante um jantar com amigos de certa idade falava-se da impotência que, por todas as razões e mais uma – cansaço, desacordos, desencontros, medicamentos, falta de cio – se torna problema. E aplaudiu-se a bênção que em tais situações a Viagra é.

Nesse momento Laura, assim se chama a rapariga, com um sorriso trocista tirou da maleta uma embalagem de preservativos, uma fiada de pílulas contraceptivas e, surpresa geral, a folhinha de quatro comprimidos azuis.

Assustaram-se, temendo que fosse anunciar ter caído na ratoeira de algum sátiro sexagenário, mas ela logo os sossegou:

- Pelos jeitos vocês não sabem, mas não é só para idosos. Às vezes a gente vai para a cama com um simpático que bebeu demais e a coisa não arranca. Num caso desses a Viagra...

Ele quer ouvir-me concordar que vivemos numa época em extremo utilitarista, que os mais novos se iludem de que tudo se pode resolver com pílulas e maquinaria.

Desiludo-o. A minha pena é não ter vinte anos.