quinta-feira, março 19

A sandália

A defunta Madre Teresa, o Papa Benedito, o sempre bem disposto Dalai-Lama, o senhor António da garagem, você, o seu vizinho do terceiro, eu próprio - todos temos maus hábitos. Uns mais do que outros, alguns até ao exagero, e esses são os que se apressam a apontar o dedo.

Entre os meus, na verdade poucos, dizem-me que um dos que mais irritam é o de que pareço incapaz de responder séria e laconicamente quando me contam um caso ou pedem uma opinião. Segundo os que me acusam, em vez de dizer sim ou não, começo por contar uma história que, na opinião deles, raro tem a ver com o assunto.

Dias atrás falava-se de um casal desavindo e dos argumentos com que cada um procurava demonstrar a sua razão. Quando quiseram saber de mim o que decidiria, eu, mau Salomão, repliquei com a história que, em casos semelhantes, é a minha favorita.

Foi em Roma, na era de César. Um poderoso, rico e muito elegante senador convidou os seus melhores amigos para jantar. Antes, porém, de fazerem as abluções e passarem ao triclinium – a sala de jantar com os clássicos três leitos - não querendo perturbar os convivas durante a refeição, anunciou logo ali que se ia divorciar.

Pasmo geral. Como podia acontecer semelhante coisa? Então não era a sua esposa uma das mulheres mais ilustres do Império? Das mais inteligentes? Haveria outra que a igualasse em beleza ou elegância? Tinha ele entontecido?

O senador ouviu-os em silêncio. Finalmente, chamando um escravo, ordenou que lhe desapertasse uma sandália e, com um gesto teatral, mostrou-a aos amigos, pedindo que lhe dissessem o que pensavam dela. E eles que sim, claro, não havia sandália mais elegante, de cabedal mais fino, melhor forma ou mais belos enfeites.

- De facto, meus amigos, de facto! Bela. Bonita. Nova. De excelente qualidade. Mas digam, onde é que ela me magoa?